domingo, 6 de janeiro de 2008

O INCENTIVO SANTO

Aberta a sessão de fraternidade em casa de Pedro, Tadeu clamou, irritado,
contra as próprias fraquezas, asseverando perante o Mestre:
¾ Como ensinar a verdade se ainda me sinto inclinado à mentira? com que
títulos transmitir o bem, quando ainda me reconheço arraigado ao mal? Como
exaltar a espiritualidade divina, se a animalidade grita mais alto em minha
própria natureza?
O companheiro não formulava semelhantes perguntas por espírito de desespero
ou desânimo, mas sim pela enorme paixão do bem que lhe tomava o íntimo, a
observar pela inflexão de amargura com que sublinhava as palavras.
Entendendo-lhe a mágoa, Jesus falou, condescendente:
¾ Um santo aprendiz da Lei, desses que se consagram fielmente à Verdade,
chamado pelo Senhor aos trabalhos da profecia entre os homens, mantinha-se
na profissão de mercador de remédios, transportando ervas e xaropes
curativos, da cidade para os campos, utilizando-se para isso de um jumento
caprichoso e inconstante, quando, refletindo sobre os defeitos de que se via
portador, passou a entristecer-se profundamente. Concluiu que não lhe cabia
colaborar nas revelações do Céu, pelo estado de impureza íntima, e fez-se
mudo. Atendia às obrigações de protetor dos doentes, mas recusava-se a
instruir as criaturas, na Divina Palavra, não obstante as requisições do
povo que já lhe conhecia os dotes de inteligência e inspiração.
Sentindo, porém, que a Celeste Vontade o constrangia ao desempenho da tarefa
e reparando que os seus conflitos mentais se tornavam cada vez mais
esmagadores, certa noite, depois de abundantes lágrimas, suplicou
esclarecimento ao Todo-Poderoso.
Sonhou, então, que um anjo vinha encontrá-lo em suas lides de mercador.
Viu-se cavalgando o voluntarioso jumento, vergado ao peso de preciosa carga,
em verdejante caminho, quando o emissário divino o
interpelou, com bondade, em seguida às saudações habituais:
¾ Meu amigo, sabes quantos coices desferiu hoje este animal?
¾ Muitíssimos ¾ respondeu sem vacilação.
¾ Quantas vezes terá mordido os companheiros de estrebaria? ¾ prosseguiu
o enviado, sorridente ¾ quantas vezes terá insultado o asseio de tua casa
e orneado despropositadamente?
E porque o discípulo aturdido não conseguisse responder, de pronto, o anjo
considerou:
¾ Entretanto, ele é um auxiliar precioso e deve ser conservado. Transporta
medicamentos que salvam muitos enfermos, distribuindo esperança, saúde e
alegria.
E fitando os olhos lúcidos no pregador desalentado, rematou:
¾ Se este jumento, a pretexto de ser rude e imperfeito, se negasse a
cooperar contigo, que seria dos enfermos a esperarem confiantes em ti? Volta
à missão luminosa que abandonaste, e, se te não é possível, por agora,
servir a Nosso Pai Supremo na condição de um homem purificado, atende aos
teus deveres, espalhando reconforto e bom ânimo, na posição do animal
valioso e útil. Nas bênçãos do serviço. serás mais facilmente encontrado
pelos mensageiros de Deus, os quais, reconhecendo-te a boa-vontade nas
realizações do amor, se compadecerão de ti, amparando-te a natureza e
aprimorando-a, tanto quanto domesticas e valorizas o teu rústico, mas
prestimoso auxiliar!
Nesse instante, o pregador viu-se novamente no corpo, acordado, e agora
feliz em razão da resposta do Alto, que lhe reajustaria a errada conduta.
Surgindo o silêncio, o discípulo agradeceu ao Mestre com um olhar. E Jesus,
transcorridos alguns minutos de manifesta consolação no semblante de todos,
concluiu:
¾ O trabalho no bem é o incentivo santo da perfeição. Através dele, a alma
de um criminoso pode emergir para o Céu, à maneira do lírio que desabrocha
para a Luz, de raízes ainda presas no charco.
Em seguida, o Mestre pôs-se a contemplar as estrelas que faiscavam, dentro
da noite, enquanto Tadeu, comovido, se aproximava, de manso, para beijar-lhe
as mãos com doçura reverente.
(De "Jesus no Lar", de Francisco Cândido Xavier, pelo Espírito Neio Lúcio)

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