O EGO E O ID (1923)
A segunda tópica
Andréa Martello
O panorama que se apresenta para o ego após a inferência da pulsão de morte passa a ser melhor configurado na segunda tópica. A pulsão é incluída no aparelho psíquico como a instância do id que marcará todo o funcionamento das outras instâncias: ego e superego. O aparelho psíquico será regido fundamentalmente pelo que é da ordem do pulsional ressaltando, desse modo, o aspecto econômico da metapsicologia como o mais relevante, submetendo a ele o aspecto tópico e o dinâmico.
A segunda tópica
Andréa Martello
O panorama que se apresenta para o ego após a inferência da pulsão de morte passa a ser melhor configurado na segunda tópica. A pulsão é incluída no aparelho psíquico como a instância do id que marcará todo o funcionamento das outras instâncias: ego e superego. O aparelho psíquico será regido fundamentalmente pelo que é da ordem do pulsional ressaltando, desse modo, o aspecto econômico da metapsicologia como o mais relevante, submetendo a ele o aspecto tópico e o dinâmico.
A frágil condição do ego frente à compulsão à repetição bem como o esclarecimento do mecanismo de identificação formam os dois princípios básicos desta segunda tópica, ou seja: pulsão e identificação.
A característica fundamental da primeira tópica era a de colocar o ego numa vinculação estreita com a consciência, ou sistemaconsciente (Cs.), representando a instância recalcante por excelência. O movimento de Freud se encaminha para uma destituição cada vez maior da consciência em prol da dinâmica do inconsciente (cf. processo primário e processo secundário) a ponto de nos dizer que temos de admitir que a característica de ser inconsciente começa a perder significação para nós (Freud, S., 1923, p. 30).
Essa destituição se fará tanto para a consciência, entendida como sistema Cs. (Bewusstsein), quanto para a consciência em seu aspecto moral (Gewissen), de discernimento do que é certo, e portanto, culpabilidade, remorso, no desvio disto que é dado como o certo. O primeiro aspecto desta destituição será visto no exame daquilo que estrutura o ego, e o segundo aspecto com o exame da instância superegóica.
Freud subverte a concepção que liga as atividades mais nobres do psiquismo à consciência (Cs.) e à moral, mostrando-nos, primeiro, uma inteligência inconsciente que prescinde de qualquer atributo consciente para realizar articulações complexas e eficazes tais como o sonho, o ato falho, a repetição, o recalque e, segundo, subvertendo a construção que nos foi articulada com o ideal do ego em Psicologia das massas e análise do ego (Freud, 1921).
Neste texto, o investimento pulsional do narcisismo dava origem ao ideal do ego que, por sua vez, era articulado com os ideais de perfeição da cultura, produzindo com isto um núcleo de moralidade dentro do ego, um guardião da moral externa. Se por um lado esses ideais, em última instância, eram produzidos por um investimento pulsional excedente do narcisismo, por outro adquiriam uma certa autonomia por se vincularem à cultura, tornando-se deste modo uma instância superior de caráter recalcante para os investimentos pulsionais. A crítica desta estrutura consistia na denúncia de que esses ideais moralizantes advinham do elemento libidinal que constitui o psiquismo, não representando, deste modo, um discernimento superior de conduta, mas, antes, podendo ser subvertidos de acordo com o investimento libidinal.
O superego será pensado de forma totalmente original com relação ao ideal do ego de 1921. A estrutura do superego se apresenta com características bem marcantes e específicas que darão potência a problemas clínicos há muito expostos por Freud, tais como: a resistência, o sentimento de culpa inconsciente e a reação terapêutica negativa. O superego será pensado acima de tudo sob a perspectiva da incidência da pulsão de morte sobre o ego.
1 - A estrutura do ego
Na segunda tópica, o ego será uma instância marcada por três aspectos fundamentais:
1 - A paradoxal inferência de um 'sentimento inconsciente de culpa' - posto que por definição os sentimentos têm acesso direto ao sistema consciente (Cs.) - contribui para a destituição do critério da consciência como sendo o de uma atividade mental de natureza extremamente elevada. O sentimento inconsciente de culpa acarreta uma autocrítica e uma 'conscienciosidade' que no processo analítico se mostram inconscientes e inconscientemente produzem efeitos da maior importância (Freud, 1923, p. 41).
A natureza inconsciente da consciência moral reduz o papel da consciência enquanto sistema privilegiado do ego e define deste modo o ego consciente como sendo primeiro e acima de tudo um ego corporal (Freud, 1923, p. 41). A consciência (Cs.), a percepção a ela vinculada (n.1) e o acesso à motilidade formarão o núcleo do ego e o modo privilegiado pelo qual ele se diferencia do id. Esses aspectos farão do ego a instância responsável pelo teste de realidade (Freud, 1923, p. 72). Temos então, no que se refere à ligação entre o ego e a consciência, uma definição mais precisa na medida em que o ego consciente se define como um ego corporal, e o ego em sua estrutura geral (já que a ligação com a consciência não esgota sua definição) se define como uma projeção psíquica do ego corporal (Freud, 1923, p.40).
2 - O segundo aspecto fundamental da estrutura do ego foi derivado do esclarecimento do mecanismo melancólico de substituição do investimento objetal por uma identificação. O que antes era atribuído à melancolia e à neurose, é, portanto, ampliado e passa a determinar em grande parte a forma tomada pelo ego e que Freud designa com o nome de 'caráter'.
Dizer que o investimento libidinal do objeto é substituído pela identificação implica afirmar uma anterioridade deste investimento pulsional (ou seja, da instância do id) sobre a estruturação do ego pela via das identificações. O ego se desenvolve de um id indiferenciado. Reformula-se então a teoria do narcisismo afirmando que de início toda a libido está acumulada no id onde o ego tenta apoderar-se da libido que o id envia aos objetos: o narcisismo do ego é, assim, um narcisismo secundário, que foi retirado dos objetos (Freud, 1923, p.62). Temos então: "que o caráter do ego é um precipitado de catexias objetais abandonadas e que ele contém a história dessas escolhas de objeto" (Freud, 1923, p. 43-44).
A idéia fundamental que aqui é colocada diz respeito a caracterizar o investimento narcísico como uma retirada do investimento que era anteriormente dirigido aos objetos. Esse aspecto fornece ao processo de substituição de um investimento por uma identificação seu caráter de defesa, que será a principal característica do ego. A identificação será aquilo por meio do qual o ego tentará adquirir algum controle sobre os investimentos pulsionais. Ao se identificar com os objetos, o ego inibe o investimento real de tais objetos. No entanto, oferecer-se ao id como substituto do objeto, inibe o investimento real mas não cancela a exigência pulsional que então recairá sobre o ego.
O limite para a submissão do ego ao investimento pulsional é argumentado por Freud pela idéia temporal de um ego inicialmente fraco que se submete ao investimento objetal e que tem na identificação com esses objetos o único meio de influenciar o id no sentido de um abandono do investimento objetal. Posteriormente um ego mais fortalecido seria capaz de resistir à influência dos investimentos objetais e com isso teríamos então para o psiquismo uma situação de conflito mais delineada, ou seja, entre um ego coerente - erigido a partir do mecanismo de identificação - e o investimento pulsional que então sofrerá recalque.
3 - Ao mesmo tempo, se por um lado temos o investimento pulsional como aquilo que permite dar forma ao ego sendo mesmo anterior à ele, temos por outro lado a identificação caracterizada como um processo heterogêneo ao investimento pulsional. Essa heterogeneidade não significa que a identificação seja independente do investimento pulsional mas, apenas, que a natureza de seu mecanismo não é derivada da pulsão. Trata-se de um mecanismo fundamentado de maneira particular que, no entanto, vem se acoplar à questão do investimento pulsional. O privilégio da identificação acaba por dissolver o problema "energético" que nos fora apresentado no texto sobre o narcisismo referente à questão de como o ego sai de sua clausura narcísica, pois o objeto narcísico advém antes de tudo por identificação e não apenas por investimento pulsional.
Acreditamos que a particularidade do mecanismo de identificação se expressa pelo que é paradoxalmente apresentado por Freud em relação à anterioridade, seja da identificação, seja do investimento. O ego foi definido como um precipitado de investimentos objetais que foram abandonados e substituídos pela identificação, sendo este mecanismo a forma mais primordial de controle sobre os investimentos. No entanto a pregnância da primeira identificação se destaca de tal modo que, ao inverso do que foi dito antes, ela se mostra como anterior e autônoma em relação ao investimento objeta (n.2):
1 - A paradoxal inferência de um 'sentimento inconsciente de culpa' - posto que por definição os sentimentos têm acesso direto ao sistema consciente (Cs.) - contribui para a destituição do critério da consciência como sendo o de uma atividade mental de natureza extremamente elevada. O sentimento inconsciente de culpa acarreta uma autocrítica e uma 'conscienciosidade' que no processo analítico se mostram inconscientes e inconscientemente produzem efeitos da maior importância (Freud, 1923, p. 41).
A natureza inconsciente da consciência moral reduz o papel da consciência enquanto sistema privilegiado do ego e define deste modo o ego consciente como sendo primeiro e acima de tudo um ego corporal (Freud, 1923, p. 41). A consciência (Cs.), a percepção a ela vinculada (n.1) e o acesso à motilidade formarão o núcleo do ego e o modo privilegiado pelo qual ele se diferencia do id. Esses aspectos farão do ego a instância responsável pelo teste de realidade (Freud, 1923, p. 72). Temos então, no que se refere à ligação entre o ego e a consciência, uma definição mais precisa na medida em que o ego consciente se define como um ego corporal, e o ego em sua estrutura geral (já que a ligação com a consciência não esgota sua definição) se define como uma projeção psíquica do ego corporal (Freud, 1923, p.40).
2 - O segundo aspecto fundamental da estrutura do ego foi derivado do esclarecimento do mecanismo melancólico de substituição do investimento objetal por uma identificação. O que antes era atribuído à melancolia e à neurose, é, portanto, ampliado e passa a determinar em grande parte a forma tomada pelo ego e que Freud designa com o nome de 'caráter'.
Dizer que o investimento libidinal do objeto é substituído pela identificação implica afirmar uma anterioridade deste investimento pulsional (ou seja, da instância do id) sobre a estruturação do ego pela via das identificações. O ego se desenvolve de um id indiferenciado. Reformula-se então a teoria do narcisismo afirmando que de início toda a libido está acumulada no id onde o ego tenta apoderar-se da libido que o id envia aos objetos: o narcisismo do ego é, assim, um narcisismo secundário, que foi retirado dos objetos (Freud, 1923, p.62). Temos então: "que o caráter do ego é um precipitado de catexias objetais abandonadas e que ele contém a história dessas escolhas de objeto" (Freud, 1923, p. 43-44).
A idéia fundamental que aqui é colocada diz respeito a caracterizar o investimento narcísico como uma retirada do investimento que era anteriormente dirigido aos objetos. Esse aspecto fornece ao processo de substituição de um investimento por uma identificação seu caráter de defesa, que será a principal característica do ego. A identificação será aquilo por meio do qual o ego tentará adquirir algum controle sobre os investimentos pulsionais. Ao se identificar com os objetos, o ego inibe o investimento real de tais objetos. No entanto, oferecer-se ao id como substituto do objeto, inibe o investimento real mas não cancela a exigência pulsional que então recairá sobre o ego.
O limite para a submissão do ego ao investimento pulsional é argumentado por Freud pela idéia temporal de um ego inicialmente fraco que se submete ao investimento objetal e que tem na identificação com esses objetos o único meio de influenciar o id no sentido de um abandono do investimento objetal. Posteriormente um ego mais fortalecido seria capaz de resistir à influência dos investimentos objetais e com isso teríamos então para o psiquismo uma situação de conflito mais delineada, ou seja, entre um ego coerente - erigido a partir do mecanismo de identificação - e o investimento pulsional que então sofrerá recalque.
3 - Ao mesmo tempo, se por um lado temos o investimento pulsional como aquilo que permite dar forma ao ego sendo mesmo anterior à ele, temos por outro lado a identificação caracterizada como um processo heterogêneo ao investimento pulsional. Essa heterogeneidade não significa que a identificação seja independente do investimento pulsional mas, apenas, que a natureza de seu mecanismo não é derivada da pulsão. Trata-se de um mecanismo fundamentado de maneira particular que, no entanto, vem se acoplar à questão do investimento pulsional. O privilégio da identificação acaba por dissolver o problema "energético" que nos fora apresentado no texto sobre o narcisismo referente à questão de como o ego sai de sua clausura narcísica, pois o objeto narcísico advém antes de tudo por identificação e não apenas por investimento pulsional.
Acreditamos que a particularidade do mecanismo de identificação se expressa pelo que é paradoxalmente apresentado por Freud em relação à anterioridade, seja da identificação, seja do investimento. O ego foi definido como um precipitado de investimentos objetais que foram abandonados e substituídos pela identificação, sendo este mecanismo a forma mais primordial de controle sobre os investimentos. No entanto a pregnância da primeira identificação se destaca de tal modo que, ao inverso do que foi dito antes, ela se mostra como anterior e autônoma em relação ao investimento objeta (n.2):
Entretanto, seja o que for que a capacidade posterior do caráter para resistir às influências das catexias objetais abandonadas possa tornar-se, os efeitos das primeiras identificações efetuadas na mais primitiva infância serão gerais e duradouros. Isso conduz de volta à origem do ideal do ego; por trás dele jaz oculta a primeira e mais importante identificação de um indivíduo, a sua identificação com o pai em sua pré-história pessoal. Isso aparentemente não é, em primeira instância, a consequência ou resultado de uma catexia do objeto; trata-se de uma identificação direta e imediata, e se efetua mais primitivamente do que qualquer catexia de objeto. Mas as escolhas objetais pertencentes ao primeiro período sexual e relacionadas ao pai e à mãe parecem normalmente encontrar seu desfecho numa identificação desse tipo, que assim reforçaria a primária (Freud, 1923, p. 47 [grifo nosso] ).
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A contradição das afirmativas sobre a anterioridade reflete, na verdade, uma diferença de estrutura daquilo que acontece como investimento e como identificação. Essa diferença não advém apenas, como foi dito antes, num tempo posterior onde um ego forte, já suficientemente constituído não mais se submete aos investimentos do id. Ela se coloca de saída, e disto resultará toda a pertinência e autonomia do superego.
Temos então a estrutura do ego montada sobre três vertentes: o que Freud define como o núcleo, ou seja, a partir da ligação com exterior, através do sistema Pcpt-Cs.; a relação com o id onde a identificação com os objetos pulsionais lhe fornece consistência; e por fim sua relação com o resíduo da identificação como mecanismo primitivo de sua formação: o superego.
Os três aspectos indicam o dinamismo com que as instâncias psíquicas operam na segunda tópica. O que é importante ressaltar é o estatuto particular destinado à instância representada pelo superego.
A consistência do ego advém de uma relação com os objetos do id que, uma vez adquirida, passa a sustentar um dualismo entre ego x id, e portanto uma estrutura de conflito psíquico semelhante ao da primeira tópica (consciência x inconsciente / ego x sexual). Na dinâmica das instâncias, o superego é pensado de forma a relativizar radicalmente o quadro da primeira tópica, fornecendo subsídios para se pensar a dissimetria do psiquismo de forma mais estrutural, onde o superego é tanto um representante do id quanto do mundo externo (Cf. Freud, 1924, p.208).
A consistência do ego advém de uma relação com os objetos do id que, uma vez adquirida, passa a sustentar um dualismo entre ego x id, e portanto uma estrutura de conflito psíquico semelhante ao da primeira tópica (consciência x inconsciente / ego x sexual). Na dinâmica das instâncias, o superego é pensado de forma a relativizar radicalmente o quadro da primeira tópica, fornecendo subsídios para se pensar a dissimetria do psiquismo de forma mais estrutural, onde o superego é tanto um representante do id quanto do mundo externo (Cf. Freud, 1924, p.208).
2 - O superego
Pensar o superego somente a partir do desfecho do complexo de Édipo torna obscura a elucidação de sua incidência. Tal concepção implica pensá-lo como uma identificação com a instância legiferante, uma identificação com o pai como lugar da lei ou da interdição, que por razões obscuras torna-se pulsional. Pensamos que é ao ideal do ego que se aplica tal raciocínio, pois é através de sua incidência que a lei externa é investida e vem se representar no psiquismo.
O tipo de lei que o superego vem representar é fundamentalmente a lei da pulsão em sua característica última e peculiar de relação com o objeto, ou seja, a pulsão enquanto, essencialmente, pulsão de morte. Deste modo a relação entre ego e superego permitirá vislumbrar os problemas que a pulsão de morte acarreta para a teoria do narcisismo.
O que temos que esclarecer é que Freud fornece duas origens para o superego, uma que remonta à identificação primordial (n.3) do ego e a outra derivada do complexo de Édipo. Sem dúvida há um privilégio por parte de Freud em falar do superego como herdeiro do complexo de Édipo, mas foi-lhe, de qualquer modo, necessário postular também uma origem mais arcaica (n.4). Essa origem mais arcaica é que nos permite melhor entender o aspecto pulsional do superego, que de alguma forma fica obscurecido pelo papel de lei ou proibição internalizada que ele vem a representar no desfecho do complexo de Édipo.
É necessário compreender o antagonismo estrutural que a pulsão de morte impõe à teoria do narcisismo e compará-lo com a problemática do complexo de Édipo, para então tentarmos entender a ligação feita por Freud entre a origem arcaica do superego e seu posterior reforço ao término do tal complexo.
As identificações ao término do complexo de Édipo são ressaltadas por Freud, pelo menos em "O ego e o id" (1923), como identificações secundárias, que se assemelham à identificação primordial, e que na verdade apenas a reforçam. A semelhança da identificação final do Édipo com a identificação originária do ego pode ser entrevista em sua diferença em relação àquelas que são referidas aos objetos de amor, ou como nos diz Freud: "essas identificações não são o que esperaríamos, visto que não introduzem no ego o objeto abandonado" (Freud, 1923, p. 47). Mesmo que as identificações ao fim do complexo de Édipo possuam em alguma medida um caráter de assimilação do objeto amado/odiado pelo ego, Freud não deixa de acrescentar a sutileza de que normalmente, o superego se afasta mais e mais das figuras parentais originais; torna-se, digamos assim, mais impessoal (Freud, 1933 [1932], p. 83).
Dar consistência à identificação, ou seja, identificar-se com alguma coisa é o que irá definir o ego como a 'história' de suas identificações, um precipitado de investimentos objetais abandonados. Ao superego cabe atualizar o momento mítico que antecede todo corpo tomado pelo ego na sucessão dos investimentos pulsionais. Sua função parece ser a de manter em suspenso a decantação das identificações por onde o ego vem adquirir consistência, e ao manter em suspenso essa decantação própria ao ego, manter o aspecto pulsional da identificação. A confluência da identificação como mecanismo originário do ego e a dependência intrínseca que esta possui com os objetos fornecidos pelo id é o que define o superego e o caracteriza como uma instância "intermediária" entre a estrutura do ego e as exigências do id.
O exame que Freud faz do humor pode ser um modo onde encontramos esclarecida essa vertente do superego (n.5). Em situações onde se espera que um ego devidamente identificado que diante de determinada situação produza os sinais de um afeto, que fique zangado, se queixe, expresse sofrimento, fique assustado ou horrorizado ou talvez, até mesmo desesperado (Freud, 1927, p. 190). tem-se um tirada humorística que expressa claramente um triunfo do narcisismo, na afirmação vitoriosa da invulnerabilidade do ego (Freud, 1927, p. 190). Neste caso o superego age de forma a permitir que as identificações às quais o ego deva responder fiquem suspensas, retirando o ego da temporização de sua história e lhe permitindo uma suspensão, mesmo que fictícia, de sua consistência.
O caso do humor vem nos mostrar a relação do superego com a identificação na medida em que ela é a matriz do ego e não o próprio ego, sendo neste aspecto que encontramos no texto sobre o humor a indicação do superego como o núcleo do ego (Freud, 1927, p. 192), o núcleo de sua constituição: pulsão e identificação.
Salvo a análise sobre o humor, onde temos em Freud uma abertura para outras possibilidades de se pensar o superego, teremos o exame mais pregnante realizado através do que é possível esclarecer sobre a desvantagem estrutural da instância egóica. Ao contrário da potência narcísica que o humor ressalta, a condição essencial de existência do ego se expressará por um inarredável sentimento de culpa. Na obra de Freud, o sentimento de culpa será a expressão última da irredutível incidência da pulsão.
Pensar o superego somente a partir do desfecho do complexo de Édipo torna obscura a elucidação de sua incidência. Tal concepção implica pensá-lo como uma identificação com a instância legiferante, uma identificação com o pai como lugar da lei ou da interdição, que por razões obscuras torna-se pulsional. Pensamos que é ao ideal do ego que se aplica tal raciocínio, pois é através de sua incidência que a lei externa é investida e vem se representar no psiquismo.
O tipo de lei que o superego vem representar é fundamentalmente a lei da pulsão em sua característica última e peculiar de relação com o objeto, ou seja, a pulsão enquanto, essencialmente, pulsão de morte. Deste modo a relação entre ego e superego permitirá vislumbrar os problemas que a pulsão de morte acarreta para a teoria do narcisismo.
O que temos que esclarecer é que Freud fornece duas origens para o superego, uma que remonta à identificação primordial (n.3) do ego e a outra derivada do complexo de Édipo. Sem dúvida há um privilégio por parte de Freud em falar do superego como herdeiro do complexo de Édipo, mas foi-lhe, de qualquer modo, necessário postular também uma origem mais arcaica (n.4). Essa origem mais arcaica é que nos permite melhor entender o aspecto pulsional do superego, que de alguma forma fica obscurecido pelo papel de lei ou proibição internalizada que ele vem a representar no desfecho do complexo de Édipo.
É necessário compreender o antagonismo estrutural que a pulsão de morte impõe à teoria do narcisismo e compará-lo com a problemática do complexo de Édipo, para então tentarmos entender a ligação feita por Freud entre a origem arcaica do superego e seu posterior reforço ao término do tal complexo.
As identificações ao término do complexo de Édipo são ressaltadas por Freud, pelo menos em "O ego e o id" (1923), como identificações secundárias, que se assemelham à identificação primordial, e que na verdade apenas a reforçam. A semelhança da identificação final do Édipo com a identificação originária do ego pode ser entrevista em sua diferença em relação àquelas que são referidas aos objetos de amor, ou como nos diz Freud: "essas identificações não são o que esperaríamos, visto que não introduzem no ego o objeto abandonado" (Freud, 1923, p. 47). Mesmo que as identificações ao fim do complexo de Édipo possuam em alguma medida um caráter de assimilação do objeto amado/odiado pelo ego, Freud não deixa de acrescentar a sutileza de que normalmente, o superego se afasta mais e mais das figuras parentais originais; torna-se, digamos assim, mais impessoal (Freud, 1933 [1932], p. 83).
Dar consistência à identificação, ou seja, identificar-se com alguma coisa é o que irá definir o ego como a 'história' de suas identificações, um precipitado de investimentos objetais abandonados. Ao superego cabe atualizar o momento mítico que antecede todo corpo tomado pelo ego na sucessão dos investimentos pulsionais. Sua função parece ser a de manter em suspenso a decantação das identificações por onde o ego vem adquirir consistência, e ao manter em suspenso essa decantação própria ao ego, manter o aspecto pulsional da identificação. A confluência da identificação como mecanismo originário do ego e a dependência intrínseca que esta possui com os objetos fornecidos pelo id é o que define o superego e o caracteriza como uma instância "intermediária" entre a estrutura do ego e as exigências do id.
O exame que Freud faz do humor pode ser um modo onde encontramos esclarecida essa vertente do superego (n.5). Em situações onde se espera que um ego devidamente identificado que diante de determinada situação produza os sinais de um afeto, que fique zangado, se queixe, expresse sofrimento, fique assustado ou horrorizado ou talvez, até mesmo desesperado (Freud, 1927, p. 190). tem-se um tirada humorística que expressa claramente um triunfo do narcisismo, na afirmação vitoriosa da invulnerabilidade do ego (Freud, 1927, p. 190). Neste caso o superego age de forma a permitir que as identificações às quais o ego deva responder fiquem suspensas, retirando o ego da temporização de sua história e lhe permitindo uma suspensão, mesmo que fictícia, de sua consistência.
O caso do humor vem nos mostrar a relação do superego com a identificação na medida em que ela é a matriz do ego e não o próprio ego, sendo neste aspecto que encontramos no texto sobre o humor a indicação do superego como o núcleo do ego (Freud, 1927, p. 192), o núcleo de sua constituição: pulsão e identificação.
Salvo a análise sobre o humor, onde temos em Freud uma abertura para outras possibilidades de se pensar o superego, teremos o exame mais pregnante realizado através do que é possível esclarecer sobre a desvantagem estrutural da instância egóica. Ao contrário da potência narcísica que o humor ressalta, a condição essencial de existência do ego se expressará por um inarredável sentimento de culpa. Na obra de Freud, o sentimento de culpa será a expressão última da irredutível incidência da pulsão.
3 - Pulsão de morte e narcisismo
Da plasticidade da libido se deriva o ego na medida em que ele pode se impor como objeto de amor. O movimento narcísico do ego de retirar libido dos objetos e transformá-la em libido narcísica resultará no que Freud denomina como uma libido dessexualizada. Isso seria possível devido à natureza da satisfação da pulsão sexual onde é fácil observar uma certa indiferença quanto ao caminho ao longo do qual a descarga se efetua, desde que se realize de algum modo (Freud, 1923, p. 60). A libido dessexualizada se caracteriza pelo abandono dos objetivos diretamente sexuais, que por ainda manter uma possibilidade de satisfação, permite a formação do ego.
Mesmo dessexualizada, esta energia ainda é libido na medida em que permanece cumprindo a finalidade de Eros que é a de unir e ligar, na medida em que auxilia no sentido de estabelecer a unidade, ou tendência à unidade, que é particularmente característica do ego (Freud, 1923, p. 61). Apesar de ainda permitir certa satisfação concomitante à possibilidade de formação do ego, essa dessexualização encontra seu limite, e deste limite vemos surgir a exigência superegóica. O superego surge em relação à problemática narcísica enquanto definida como uma dessexualização da libido.
Freud, em "O ego e o id" (1923) no capítulo entitulado As duas classes de pulsões (Freud, 1923,) através do exame do problema da dessexualização da libido no narcisismo, nos apresenta um aparelho psíquico de estrutura assimétrica, onde o superego é o produto da contraditória constituição do ego, ou seja, ele é a prova de verdade sobre a constituição do ego na medida em que ela se dá na íntima relação entre identificação e investimento objetal, e em cujo desenvolvimento posterior o ego tenta impor uma ruptura de elementos tão estritamente ligados. A dessexualização da libido exigida pelo narcisismo impõe a ruptura em relação à sua dependência ao investimento objetal, e o superego é a instância de cobrança desta dívida do ego (n.6).
Mais ainda, o ego tenda reduzir a plasticidade da libido oferecendo objetos específicos que obedeçam à sua coerência. Temos então o aspecto defensivo da identificação visando o controle da satisfação pulsional. Com isso o ego está trabalhando em oposição aos objetivos de Eros (Freud, 1923, p. 61). O superego comparece numa função de abalar as identificações reificadas do ego, ou como Freud nos diz, de um ego fortalecido: o ego que por meio da identificação ganhou controle sobre a libido é punido pelo superego por assim proceder, mediante a instrumentalidade da agressividade que estava mesclada com a libido (Freud, 1923, p. 71-72). Os termos de Freud recaem na hipótese de desfusão pulsional, onde a dessexualização da libido libera o componente de pulsão de morte que a ele estava fundido.
O paradoxo que se coloca como intrínseco à formação do ego diz respeito ao fato de que o narcisismo, em sua tentativa de unidade e coerência, produz em última instância o superego como reduto de incidência da pulsão de morte.
O superego é o representante da pulsão de morte na exata medida de uma identificação inflexível do ego com o objeto, e numa identificação que consista na dessexualização do investimento do objeto. O superego como cultura pura de pulsão de morte (Freud, 1923, p. 69) é encontrado, justamente, com referência à melancolia, que tem como principal característica a remodelação do ego pela via da identificação de acordo com o objeto perdido. A melancolia, que revelou a Freud a estrutura do ego, é aqui novamente usada para elucidar a natureza última do superego, cuja radicalidade pode inclusive levar à morte.
A exigência do superego surge da dessexualização da libido que, por sua vez, é o processo de constituição do narcisismo e, portanto, do próprio ego. Trata-se na exigência superegóica da exigência de uma renúncia impossível de ser cumprida, visto a dependência do ego em relação à libido, de onde resulta a construção de um antagonismo intrínseco ao aparelho psíquico. A existência do ego implica necessariamente na concomitante existência deste estranho agente crítico como testemunha da impostura quanto à autenticidade de sua autonomia. O superego é o último produto da problemática narcísica.
Comparemos a situação do ego na primeira tópica. O narcisismo foi definido como o complemento libidinal do egoísmo do instinto de autopreservação (Freud, 1914, p. 90), como uma fusão das pulsões sexuais e autopreservativas realizada no momento inaugural do ego e posteriormente (salvo na psicose, neurose e melancolia) separadas o suficiente para que se estabelecesse uma escolha anaclítica de objeto. Na primeira tópica, a pulsão de autoconservação garante a existência e o poder do ego, sendo acrescida de libido no narcisismo, sem no entanto perder uma perspetiva de autonomia no desenvolvimento posterior do ego. A mesma configuração não se apresenta na segunda tópica devido, por um lado, ao novo dualismo pulsional e o radicalismo da pulsão de morte e por outro, ao esclarecimento da identificação, cuja procedência do objeto impõe uma dívida permanente ao ego.
Freud nos diz que o medo da morte é algo difícil de ser pensado na medida em que não há para a morte um registro no inconsciente. Partindo disto, apenas podemos pensar que o medo da morte é uma resistência do ego em abandonar o investimento libidinal narcísico. É de morte narcísica que estamos falando e a condição da relação da pulsão com os objetos exige em parte esta morte, cuja ameaça passa a se exercer através do superego. O preço pago pela constituição do ego se coloca então em termos de um sentimento de culpa, pois é exigido dele renunciar àquilo mesmo que o constitui. Como responder a uma exigência de sexualização da pulsão se a dessexualização é o modo próprio de constituição do ego? Essa é a fonte do sentimento de culpa e o masoquismo será então a resposta mais relevante a este impasse.
Da plasticidade da libido se deriva o ego na medida em que ele pode se impor como objeto de amor. O movimento narcísico do ego de retirar libido dos objetos e transformá-la em libido narcísica resultará no que Freud denomina como uma libido dessexualizada. Isso seria possível devido à natureza da satisfação da pulsão sexual onde é fácil observar uma certa indiferença quanto ao caminho ao longo do qual a descarga se efetua, desde que se realize de algum modo (Freud, 1923, p. 60). A libido dessexualizada se caracteriza pelo abandono dos objetivos diretamente sexuais, que por ainda manter uma possibilidade de satisfação, permite a formação do ego.
Mesmo dessexualizada, esta energia ainda é libido na medida em que permanece cumprindo a finalidade de Eros que é a de unir e ligar, na medida em que auxilia no sentido de estabelecer a unidade, ou tendência à unidade, que é particularmente característica do ego (Freud, 1923, p. 61). Apesar de ainda permitir certa satisfação concomitante à possibilidade de formação do ego, essa dessexualização encontra seu limite, e deste limite vemos surgir a exigência superegóica. O superego surge em relação à problemática narcísica enquanto definida como uma dessexualização da libido.
Freud, em "O ego e o id" (1923) no capítulo entitulado As duas classes de pulsões (Freud, 1923,) através do exame do problema da dessexualização da libido no narcisismo, nos apresenta um aparelho psíquico de estrutura assimétrica, onde o superego é o produto da contraditória constituição do ego, ou seja, ele é a prova de verdade sobre a constituição do ego na medida em que ela se dá na íntima relação entre identificação e investimento objetal, e em cujo desenvolvimento posterior o ego tenta impor uma ruptura de elementos tão estritamente ligados. A dessexualização da libido exigida pelo narcisismo impõe a ruptura em relação à sua dependência ao investimento objetal, e o superego é a instância de cobrança desta dívida do ego (n.6).
Mais ainda, o ego tenda reduzir a plasticidade da libido oferecendo objetos específicos que obedeçam à sua coerência. Temos então o aspecto defensivo da identificação visando o controle da satisfação pulsional. Com isso o ego está trabalhando em oposição aos objetivos de Eros (Freud, 1923, p. 61). O superego comparece numa função de abalar as identificações reificadas do ego, ou como Freud nos diz, de um ego fortalecido: o ego que por meio da identificação ganhou controle sobre a libido é punido pelo superego por assim proceder, mediante a instrumentalidade da agressividade que estava mesclada com a libido (Freud, 1923, p. 71-72). Os termos de Freud recaem na hipótese de desfusão pulsional, onde a dessexualização da libido libera o componente de pulsão de morte que a ele estava fundido.
O paradoxo que se coloca como intrínseco à formação do ego diz respeito ao fato de que o narcisismo, em sua tentativa de unidade e coerência, produz em última instância o superego como reduto de incidência da pulsão de morte.
O superego é o representante da pulsão de morte na exata medida de uma identificação inflexível do ego com o objeto, e numa identificação que consista na dessexualização do investimento do objeto. O superego como cultura pura de pulsão de morte (Freud, 1923, p. 69) é encontrado, justamente, com referência à melancolia, que tem como principal característica a remodelação do ego pela via da identificação de acordo com o objeto perdido. A melancolia, que revelou a Freud a estrutura do ego, é aqui novamente usada para elucidar a natureza última do superego, cuja radicalidade pode inclusive levar à morte.
A exigência do superego surge da dessexualização da libido que, por sua vez, é o processo de constituição do narcisismo e, portanto, do próprio ego. Trata-se na exigência superegóica da exigência de uma renúncia impossível de ser cumprida, visto a dependência do ego em relação à libido, de onde resulta a construção de um antagonismo intrínseco ao aparelho psíquico. A existência do ego implica necessariamente na concomitante existência deste estranho agente crítico como testemunha da impostura quanto à autenticidade de sua autonomia. O superego é o último produto da problemática narcísica.
Comparemos a situação do ego na primeira tópica. O narcisismo foi definido como o complemento libidinal do egoísmo do instinto de autopreservação (Freud, 1914, p. 90), como uma fusão das pulsões sexuais e autopreservativas realizada no momento inaugural do ego e posteriormente (salvo na psicose, neurose e melancolia) separadas o suficiente para que se estabelecesse uma escolha anaclítica de objeto. Na primeira tópica, a pulsão de autoconservação garante a existência e o poder do ego, sendo acrescida de libido no narcisismo, sem no entanto perder uma perspetiva de autonomia no desenvolvimento posterior do ego. A mesma configuração não se apresenta na segunda tópica devido, por um lado, ao novo dualismo pulsional e o radicalismo da pulsão de morte e por outro, ao esclarecimento da identificação, cuja procedência do objeto impõe uma dívida permanente ao ego.
Freud nos diz que o medo da morte é algo difícil de ser pensado na medida em que não há para a morte um registro no inconsciente. Partindo disto, apenas podemos pensar que o medo da morte é uma resistência do ego em abandonar o investimento libidinal narcísico. É de morte narcísica que estamos falando e a condição da relação da pulsão com os objetos exige em parte esta morte, cuja ameaça passa a se exercer através do superego. O preço pago pela constituição do ego se coloca então em termos de um sentimento de culpa, pois é exigido dele renunciar àquilo mesmo que o constitui. Como responder a uma exigência de sexualização da pulsão se a dessexualização é o modo próprio de constituição do ego? Essa é a fonte do sentimento de culpa e o masoquismo será então a resposta mais relevante a este impasse.
4 - O masoquismo e o problema moral
Foi necessário a Freud pensar a pulsão de morte a partir de questões quanto ao sucesso terapêutico da psicanálise. A pulsão de morte traz subsídios para o exame de uma grave questão quanto à clínica analítica na medida em que coloca em xeque a força de um desejo 'natural' de restabelecimento. O que comparece 'além do princípio do prazer', e que foi circunscrito pela instância superegóica na segunda tópica, é enunciado de maneira bastante dramática como O problema econômico do masoquismo (Freud,1925). A pulsão de morte desloca a problemática narcísica para a problemática do masoquismo e é o superego que fornece o modo de exame desta questão. Como produto do narcisismo no novo dualismo pulsional, o superego vem impor essa nova condição ao ego enquanto objeto da pulsão: o masoquismo. A desvantagem narcísica frente à pulsão de morte não pode ser enunciada de forma diferente que não seja através do masoquismo.
Essa inferência passa a colocar grandes questões para a clínica e esclarecer os impasses e limites encontrados pela manobra analítica. A vida e o prazer não são valores que se mantenham perante o desafio analítico.
A estrutura elementar do narcisismo submetido à pulsão de morte pode ser considerado como a primordial condição masoquista que Freud define como masoquismo erógeno (Cf. Freud, O problema econômico do masoquismo, 1924, p. 204). Podemos imputar que a exigência de sexualização do superego primitivo, que de alguma forma coloca como questão a morte do ego, tem como solução o masoquismo, uma tentativa última de obedecer a essa exigência tornando a condição do ego minimamente erotizada. O masoquismo é a forma de sexualização que amortece a ameaça de morte para o ego.
O problema irá se colocar na medida em que a exigência de sexualização, que nada mais seria do que o fato de que o ego tem que aquiescer em algumas das outras catexias objetais do id; tem, por assim dizer que participar delas (Freud, 1923, p.61), encontra uma interdição que em Freud só pode ser enunciada a partir do complexo de Édipo. Tal será a relevância do complexo de Édipo (ver também: complexo de Édipo feminino) na formação do superego: reencenar uma interdição, neste caso externa, de uma interdição mais primordial quanto aos objetos da pulsão que é o próprio pressuposto do narcisismo. Em lugar do medo de morte se impõe a ameaça de castração.
A necessidade de atualização do masoquismo primordial pelo outro é a condição que dá relevância ao Édipo uma vez que é através de seus protagonistas que se encena pela primeira vez o aspecto traumático do desejo: desejo de um objeto impossível que no Édipo se coloca como objeto interdito.
É neste sentido que da condição primordialmente masoquista (o masoquismo erógeno) Freud deriva as duas outras formas que podemos examinar: o masoquismo feminino e o masoquismo moral.
Essas duas formas de masoquismo são atravessadas em alguma medida pela questão edípica. O que se torna patente é a necessidade da constituição de um agente externo que venha atualizar a condição masoquista primordial.
No masoquismo feminino teríamos essas condições encenadas a partir de uma pessoa amada. Esse é o fator essencial que permite a fantasia de ser devorado, espancado, castrado ou copulado (n.7) se exercer de forma a trazer algum tipo de satisfação diretamente sexual. É a sexualização do que é regido pela ameaça de castração, ou melhor, é a sexualização da própria ameaça de castração encenada como efetivando-se a partir de uma recusa explícita por parte do ego da renúncia exigida.
Quanto ao masoquismo moral, perde-se a vinculação sexual que marca o masoquismo feminino e com isso, o elemento mais importante passa a ser o puro sofrimento, sem ligação com qualquer satisfação diretamente sexual. E é neste masoquismo que o superego volta a brilhar a partir de sua vinculação com a interdição paterna.
Surge então uma plausível justificativa para a pregnância e lugar de poder que são atribuídos para a 'introjeção' da lei paterna: o complexo de Édipo tem como função encarnar na figura do pai interditor a ameaça superegóica.
A satisfação egóica se realiza nessa repetição que envolve o outro como agente da exigência superegóica. Repetição, pois, trata-se de reencenar a dissimetria intrínseca do psiquismo, onde o ego é francamente dominado pela questão pulsional. É necessário um outro para encenar e corporificar essa crueldade, pois no complexo de Édipo não é a interdição que está em jogo, é a interdição imposta em vista da própria ira do outro.
Dentro desta lógica, se por um lado o pai comparece como figura privilegiada, onde o drama do Édipo tem seu valor estrutural na medida em que é aí que se encena a questão pela primeira vez na história do sujeito, não é apenas a ele que tal mecanismo se produz. O sadismo superegóico vem a ser encarnado na figura parental ou em qualquer outra que possa exercer algum tipo de autoridade. Em última instância, essa impessoalidade é corporificada na figura do Destino.
O masoquismo moral tem a função de personificar a instância superegóica através de qualquer pacto que infira ao exterior o exercício de uma ordem que excede o domínio próprio do ego. O outro sádico, a autoridade paterna, a inflexibilidade do destino são formas privilegiadas de encarnação da condição própria do ego em relação à pulsão, que tem no superego a formação deste inimigo íntimo.
O pivô central deste enredo é sempre a posição inerente ao ego, que ela se exerça diante do superego ou diante da autoridade paterna, em ambos os casos (de exigência de sexualização ou exigência de renúncia da sexualização), é sua condição de devedor que está em jogo. Dívida que é própria de sua estrutura intermediária entre pulsão e objeto, enfim, dívida imposta pelo mecanismo narcísico de sua constituição.
O masoquismo é a forma privilegiada de resposta ao inexorável da pulsão, e um dos poucos meios de preservação do narcisismo como sendo a estrutura que define o critério de exclusão/inclusão. O que temos em jogo é, acima de tudo, o modo de exclusão do ego narcísico, que, pela sua forma de organização, se mantém imputando a uma fonte externa aquilo que é interno à sua condição.
NOTAS
Foi necessário a Freud pensar a pulsão de morte a partir de questões quanto ao sucesso terapêutico da psicanálise. A pulsão de morte traz subsídios para o exame de uma grave questão quanto à clínica analítica na medida em que coloca em xeque a força de um desejo 'natural' de restabelecimento. O que comparece 'além do princípio do prazer', e que foi circunscrito pela instância superegóica na segunda tópica, é enunciado de maneira bastante dramática como O problema econômico do masoquismo (Freud,1925). A pulsão de morte desloca a problemática narcísica para a problemática do masoquismo e é o superego que fornece o modo de exame desta questão. Como produto do narcisismo no novo dualismo pulsional, o superego vem impor essa nova condição ao ego enquanto objeto da pulsão: o masoquismo. A desvantagem narcísica frente à pulsão de morte não pode ser enunciada de forma diferente que não seja através do masoquismo.
Essa inferência passa a colocar grandes questões para a clínica e esclarecer os impasses e limites encontrados pela manobra analítica. A vida e o prazer não são valores que se mantenham perante o desafio analítico.
A estrutura elementar do narcisismo submetido à pulsão de morte pode ser considerado como a primordial condição masoquista que Freud define como masoquismo erógeno (Cf. Freud, O problema econômico do masoquismo, 1924, p. 204). Podemos imputar que a exigência de sexualização do superego primitivo, que de alguma forma coloca como questão a morte do ego, tem como solução o masoquismo, uma tentativa última de obedecer a essa exigência tornando a condição do ego minimamente erotizada. O masoquismo é a forma de sexualização que amortece a ameaça de morte para o ego.
O problema irá se colocar na medida em que a exigência de sexualização, que nada mais seria do que o fato de que o ego tem que aquiescer em algumas das outras catexias objetais do id; tem, por assim dizer que participar delas (Freud, 1923, p.61), encontra uma interdição que em Freud só pode ser enunciada a partir do complexo de Édipo. Tal será a relevância do complexo de Édipo (ver também: complexo de Édipo feminino) na formação do superego: reencenar uma interdição, neste caso externa, de uma interdição mais primordial quanto aos objetos da pulsão que é o próprio pressuposto do narcisismo. Em lugar do medo de morte se impõe a ameaça de castração.
A necessidade de atualização do masoquismo primordial pelo outro é a condição que dá relevância ao Édipo uma vez que é através de seus protagonistas que se encena pela primeira vez o aspecto traumático do desejo: desejo de um objeto impossível que no Édipo se coloca como objeto interdito.
É neste sentido que da condição primordialmente masoquista (o masoquismo erógeno) Freud deriva as duas outras formas que podemos examinar: o masoquismo feminino e o masoquismo moral.
Essas duas formas de masoquismo são atravessadas em alguma medida pela questão edípica. O que se torna patente é a necessidade da constituição de um agente externo que venha atualizar a condição masoquista primordial.
No masoquismo feminino teríamos essas condições encenadas a partir de uma pessoa amada. Esse é o fator essencial que permite a fantasia de ser devorado, espancado, castrado ou copulado (n.7) se exercer de forma a trazer algum tipo de satisfação diretamente sexual. É a sexualização do que é regido pela ameaça de castração, ou melhor, é a sexualização da própria ameaça de castração encenada como efetivando-se a partir de uma recusa explícita por parte do ego da renúncia exigida.
Quanto ao masoquismo moral, perde-se a vinculação sexual que marca o masoquismo feminino e com isso, o elemento mais importante passa a ser o puro sofrimento, sem ligação com qualquer satisfação diretamente sexual. E é neste masoquismo que o superego volta a brilhar a partir de sua vinculação com a interdição paterna.
Surge então uma plausível justificativa para a pregnância e lugar de poder que são atribuídos para a 'introjeção' da lei paterna: o complexo de Édipo tem como função encarnar na figura do pai interditor a ameaça superegóica.
A satisfação egóica se realiza nessa repetição que envolve o outro como agente da exigência superegóica. Repetição, pois, trata-se de reencenar a dissimetria intrínseca do psiquismo, onde o ego é francamente dominado pela questão pulsional. É necessário um outro para encenar e corporificar essa crueldade, pois no complexo de Édipo não é a interdição que está em jogo, é a interdição imposta em vista da própria ira do outro.
Dentro desta lógica, se por um lado o pai comparece como figura privilegiada, onde o drama do Édipo tem seu valor estrutural na medida em que é aí que se encena a questão pela primeira vez na história do sujeito, não é apenas a ele que tal mecanismo se produz. O sadismo superegóico vem a ser encarnado na figura parental ou em qualquer outra que possa exercer algum tipo de autoridade. Em última instância, essa impessoalidade é corporificada na figura do Destino.
O masoquismo moral tem a função de personificar a instância superegóica através de qualquer pacto que infira ao exterior o exercício de uma ordem que excede o domínio próprio do ego. O outro sádico, a autoridade paterna, a inflexibilidade do destino são formas privilegiadas de encarnação da condição própria do ego em relação à pulsão, que tem no superego a formação deste inimigo íntimo.
O pivô central deste enredo é sempre a posição inerente ao ego, que ela se exerça diante do superego ou diante da autoridade paterna, em ambos os casos (de exigência de sexualização ou exigência de renúncia da sexualização), é sua condição de devedor que está em jogo. Dívida que é própria de sua estrutura intermediária entre pulsão e objeto, enfim, dívida imposta pelo mecanismo narcísico de sua constituição.
O masoquismo é a forma privilegiada de resposta ao inexorável da pulsão, e um dos poucos meios de preservação do narcisismo como sendo a estrutura que define o critério de exclusão/inclusão. O que temos em jogo é, acima de tudo, o modo de exclusão do ego narcísico, que, pela sua forma de organização, se mantém imputando a uma fonte externa aquilo que é interno à sua condição.
NOTAS
1. A característica inferida ao sistema Pré-Consciente-Consciente (Pcs-Cs.) em “O inconsciente” (Freud, 1915) lhe designava uma ligação entre representação-coisa e representação-palavra. Essa característica se mantém em “O ego e o id” (1923) sendo, no entanto, conectada com o sistema perceptivo, uma vez que a representação-palavra só pode advir de percepções auditivas, ou seja, de palavras já ouvidas. Deste modo, temos a partir de 1923 o sistema perceptivo e o sistema consciente como um único sistema, o Pcpt.-Cs. (percepção-consciência);
2. Destacar a anterioridade da identificação na formação do ego, é na verdade esclarecer a origem do superego. Deste modo, optamos por transcrever a citação de Freud na íntegra mesmo que seu exame completo só se efetue na sequência de nossa apresentação;
3. Consideraremos esta identificação primordial inferida como originária do ideal do ego como sendo na verdade referida ao superego. Tomamos essa liberdade na medida em que neste texto Freud usa indiscriminadamente os dois termos para posteriormente vir a incluir o ideal do ego como uma das funções da instância do superego;
4. Não podemos deixar de destacar que a ênfase na concepção de um superego arcaico foi uma das contribuições de Melanie Klein e que é preferencialmente retomado por Lacan com a devida indicação da origem. Esse superego arcaico seria designado como um superego materno;
5. O exemplo dado por Freud de uma tirada humorística seria a do criminoso que levado à forca numa segunda-feira, exclama: "Bem, a semana está começando otimamente!". (Freud, 1927, p. 189);
6. A mesma questão já havia sido colocada no texto sobre o narcisismo (1914) onde o represamento da libido era o responsável pela determinação das patologias psíquicas: na neurose, se a introversão da libido de objeto excedesse certo limite, e na psicose como um represamento da libido do ego (Cf. Freud, 1914);
5. O exemplo dado por Freud de uma tirada humorística seria a do criminoso que levado à forca numa segunda-feira, exclama: "Bem, a semana está começando otimamente!". (Freud, 1927, p. 189);
6. A mesma questão já havia sido colocada no texto sobre o narcisismo (1914) onde o represamento da libido era o responsável pela determinação das patologias psíquicas: na neurose, se a introversão da libido de objeto excedesse certo limite, e na psicose como um represamento da libido do ego (Cf. Freud, 1914);
7. O conteúdo dessas fantasias são denominados por Freud como "revestimentos psíquicos cambiantes" e correspondem às fases da libido: fase oral, anal-sádica, fálica e genital. (Freud, “O problema econômico do masoquismo”, 1924, p.205);
BIBLIOGRAFIA
BIBLIOGRAFIA
FREUD, S. Edição Standard Brasileira das Obras Psicológicas Completas de Sigmund Freud, Rio de Janeiro, Imago, 1980:
____ Sobre o narcisismo: uma introdução (1914), vol. XIV.
____ O inconsciente (1915), Vol. XVI.
____ O ego e o id (1923), Vol. XIX.
____ O problema econômico do masoquismo (1924), vol. XIX.
____ O humor (1927), vol. XXI.
____ Novas conferências introdutórias sobre psicanálise (1933 [1932]), vol. XXIII.
____ O inconsciente (1915), Vol. XVI.
____ O ego e o id (1923), Vol. XIX.
____ O problema econômico do masoquismo (1924), vol. XIX.
____ O humor (1927), vol. XXI.
____ Novas conferências introdutórias sobre psicanálise (1933 [1932]), vol. XXIII.
http://www.isepol.com/ego_id.html
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