quarta-feira, 10 de setembro de 2008

REAJUSTANDO OS SENTIMENTOS

Ensaios para a libertação

"Sentindo-me só, ponderei os acontecimentos que me sobrevieram, desde o primeiro encontro com o Ministro Clarêncio. Onde estaria a paragem de sonho? Na Terra, ou naquela colônia espiritual? Que teria sucedido a Zélia e aos filhinhos? Por que razão me prestavam ali tão grande esclarecimentos sobre as mais variadas questões da vida, omitindo, contudo, qualquer notícia pertinente ao meu antigo lar? Minha própria mãe me aconselhara o silêncio, abstendo-se de qualquer informação direta."



"Tudo indicava a necessidade de esquecer os problemas carnais, no sentido de renovar-me intrinsecamente, e, no entanto, penetrando os recessos do ser, encontrava a saudade viva dos meus. Desejava ardentemente rever a esposa muito amada, receber de novo o beijo dos filhinhos... Por que decisões do destino estávamos agora separados, como se eu fosse um náufrago em praia desconhecida? Simultaneamente, idéias generosas confortavam-me o íntimo."



"Em verdade, muito amara a companheira de lutas e, sem dúvida, dispensara aos filhinhos ternuras incessantes; mas, examinando desapaixonadamente minha situação de esposo e pai, reconhecia que nada criara de sólido e útil no espírito dos meus familiares. Tarde verificava esse descuido. Quem atravessa um campo sem organizar sementeira necessária ao pão e sem proteger a fonte que sacia a sede, não pode voltar com a intenção de abastecer-se. Tais pensamentos instalavam-se-me no cérebro com veemência irritante."



"O que me diz das quedas? Verificam-se apenas na Terra? Somente os encarnados são suscetíveis de precipitação no despenhadeiro das Trevas?" Lísias pensou um minuto e respondeu: "Sua observação é oportuna. Em qualquer lugar, o espírito pode precipitar-se nas furnas do mal, salientando-se, porém, que nas esferas superiores as defesas são mais fortes, imprimindo-se, conseqüentemente, mais intensidade de culpa na falta cometida." Entretanto" - objetei -, "a queda sempre me pareceu impossível nas regiões estranhas ao corpo terreno. O ambiente divino, o conhecimento da verdade, o auxílio superior figuravam-se-me antídotos infalíveis ao veneno da vaidade e da tentação." O companheiro sorriu e esclareceu: "O problema da tentação é mais complexo. As paisagens do planeta terrestre estão cheias de ambiente divino, conhecimento da verdade e auxílio superior. Não são poucos os que compartem, ali, de batalhas destruidoras entre as árvores acolhedoras e os campos primaveris; muitos cometem homicídios ao luar, insensíveis à profunda sugestão das estrelas; outros exploram os mais fracos, ouvindo elevadas revelações da verdade superior. Não faltam, na Terra, paisagens e expressões essencialmente divinas."



"Qual acontece a nós outros, que trazemos em nosso íntimo o superior e o inferior, também o planeta traz em si expressões altas e baixas, com que corrige o culpado e dá passagem ao triunfador para a vida eterna. Você sabe, como médico humano, que há elementos no cérebro do homem que lhe presidem o senso diretivo. Hoje, porém, reconhece que esses elementos não são propriamente físicos e sim espirituais, na essência. Quem estime viver exclusivamente nas sombras, embotará o sentido divino da direção. Não será demais, portanto, que se precipite nas Trevas, porque o abismo atrai o abismo e cada um de nós chegará ao local para onde esteja dirigindo os próprios passos."



"Lísias, a meu lado, logo que deixamos o aeróbus numa das praças do Ministério da Elevação, disse carinhoso: "Finalmente, vai você conhecer minha noiva, a quem tenho falado muitas vezes a seu respeito." "É curioso - observei, intrigado - encontrarmos noivados, também por aqui..." "Como não? Vive o amor sublime no corpo mortal, ou na alma eterna? Lá, no círculo terrestre, meu caro, o amor é uma espécie de ouro abafado nas pedras brutas. Tanto o misturam os homens com as necessidades, os desejos e estados inferiores, que raramente se diferenciará a ganga do precioso metal."



"O noivado é muito mais belo na espiritualidade. Não existem véus de ilusão a obscurecer-nos o olhar. Somos o que somos. Lascínia e eu já fracassamos muitas vezes nas experiências materiais. Devo confessar que quase todos os desastres do pretérito tiveram origem na minha imprevidência e absoluta falta de autodomínio. A liberdade que as leis sociais do planeta conferem ao sexo masculino, ainda não foi devidamente compreendida por nós outros. Raramente algum de nós a utiliza no mundo em serviço de espiritualização. Amiúde, convertemo-la em resvaladouro para a animalidade. As mulheres, ao contrário, têm tido, até agora, a seu favor, as disciplinas mais rigorosas. Na existência passageira, sofrem-nos a tirania e suportam o peso das nossas imposições; aqui, porém, verificamos o reajustamento dos valores. Só é verdadeiramente livre quem aprende a obedecer."

"Antes que pudesse manifestar minha profunda admiração, Lisias recomendou bem-humorado: "Lascínia sempre se faz acompanhar de duas irmãs, às quais, espero faça você as honras de cavalheiro. "Mas, Lísias..." - respondi, reticencioso, considerando minha antiga posição conjugal - "você deve compreender que estou ligado a Zélia." O enfermeiro amigo, nesse instante, riu a valer, acrescentando: "Era o que faltava! Ninguém quer ferir seus sentimentos de fidelidade. Não creio, no entanto, que a união esponsalícia deva trazer o esquecimento da vida social. Não sabe mais ser o irmão de alguém, André?"



"Em palestras numerosas, recolhia referências a Jesus e ao Evangelho, e, no entanto, o que mais me impressionava era a nota de alegria reinante em todas as conversações. Ninguém recordava o Mestre com as vibrações negativas da tristeza inútil, ou do injustificável desalento, Jesus era lembrado por todos como supremo orientador das organizações terrenas, visíveis e invisíveis, cheio de compreensão e bondade, mas também consciente da energia e da vigilância necessárias à preservação da ordem e da justiça. Aquela sociedade otimista encantava-me. Diante dos olhos, tinha concretizadas as esperanças de grande número dos pensadores verdadeiramente nobres, na Terra..."



"Não concordo. Voltar a senhora à carne? Por quê? Internar-se, de novo, no caminho escuro, sem necessidade imediata?" Mostrando nobre expressão de serenidade, minha mãe ponderou: "Não consideras a angustiosa condição de teu pai, meu filho? Há muitos anos trabalho para reerguê-lo e meus esforços têm sido improfícuos."



"E essas mulheres?" - indaguei. "Que será feito dessas infelizes?" Minha mãe sorriu e respondeu: "Serão minhas filhas daqui a alguns anos. É preciso não esqueceres que irei ao mundo em auxílio de teu pai. Teu pai é hoje um céptico e essas pobres irmãs suportam pesados fardos na lama da ignorância e da ilusão. Em futuro não distante, colocarei todos eles em meu regaço materno, realizando minha nova experiência. E mais tarde... quem sabe? talvez regresse a "Nosso Lar", cercada de outros afetos sacrossantos, para uma grande festividade de alegria, amor e união..."

Nenhum comentário: