sábado, 24 de janeiro de 2009

A IMITAÇÃO DE CRISTO


Da familiar amizade com Jesus
1.
Quando Jesus está presente, tudo é suave e nada parece
dificultoso; mas, quando Jesus está ausente, tudo se torna penoso.
Quando Jesus não fala ao coração, nenhuma consolação tem
valor; mas se Jesus fala uma só palavra, sentimos grande alívio.
Porventura não se levantou logo Maria Madalena do lugar onde
chorava, quando Marta lhe disse: O Mestre está aí e te chama? (Jo
11,28). Hora bendita, quando Jesus te chama das lágrimas para o
gozo do espírito! Que seco e árido és sem Jesus! Que néscio e
vão, se desejas outra coisa, fora de Jesus! Não será isto maior
dano do que se perdesse o mundo inteiro?
2.
Que te pode dar o mundo sem Jesus? Estar sem Jesus é terrível
inferno, estar com Jesus é doce paraíso. Se Jesus estiver contigo,
nenhum inimigo te pode ofender. Quem acha a Jesus acha
precioso tesouro, ou, antes, o bem superior a todo bem; quem
perde a Jesus perde muito mais do que se perdesse a todo o
mundo. Paupérrimo é quem vive sem Jesus, e riquíssimo quem
está bem com Jesus.
3.
Grande arte é saber conversar com Jesus, e grande prudência
conservá-lo consigo. Sê humilde e pacífico, e contigo estará Jesus;
sê devoto e sossegado, e Jesus permanecerá contigo. Depressa
podes afugentar a Jesus e perder a sua graça, se te inclinares às
coisas exteriores; e se o afastas e o perdes, aonde irás e a quem
buscarás por amigo? Sem amigo não podes viver, e se não for
Jesus teu amigo acima de todos, estarás mui triste e
desconsolado. Logo, loucamente procedes, se em qualquer outro
confias e te alegras. Antes ter o mundo todo por adversário, que

ofender a Jesus. Acima de todos os teus amigos seja, pois, Jesus
amado dum modo especial.
4.
Sê livre e puro no teu interior, sem apego a criatura alguma. É
mister desprenderes-te de tudo e ofereceres a Deus um coração
puro, se queres sossegar e ver como é suave o Senhor. E, com
efeito, tal não conseguirás, se não fores prevenido e atraído por
sua graça, de modo que, deixando e despedindo tudo mais, com
ele só estejas unido. Pois, quando lhe assiste a graça de Deus, de
tudo é capaz o homem; e quando ela se retira, logo fica pobre e
fraco, como que abandonado aos castigos. Ainda assim, não deves
desanimar nem desesperar, antes resignar-te na vontade de Deus,
e sofrer tudo que te acontecer, por honra de Jesus; pois ao inverno
sucede o verão, depois da noite volta o dia, e após a tempestade
reina a bonança.

CAPÍTULO 9
Da privação de toda consolação
1.
Não é dificultoso desprezar as consolações humanas,
quando gozamos das divinas. Grande coisa, porém, e mui
meritória, é poder estar sem consolação, tanto divina como
humana, sofrendo de boa mente o desamparo do coração,
2.
sem em nada buscar-se a si mesmo, nem atender ao seu
próprio merecimento. Que maravilha será estares alegre e
devoto, quando te assiste a graça! De todos é almejada esta
hora. E mui suave andar, levado pela graça de Deus. E que
maravilha não sentir a carga aquele que é sustentado pelo
Onipotente e acompanhado do guia supremo!
2.
Gostamos de ter qualquer consolação, e é penoso ao homem
despojar-se de si mesmo. O glorioso mártir São Lourenço venceu o
mundo em união com seu pai espiritual, porque desprezou todos
os atrativos do século e sofreu com paciência, por amor de Cristo,
que o separassem do Supremo Pontífice São Xisto a quem ele
muito amava! Assim, com a amor de Deus, ele subjugou o amor da
criatura, e ao alívio humano preferiu o beneplácito divino. Daí
aprende tu a deixar, às vezes, por amor de Deus, um parente ou
amigo querido. Nem tanto te aflijas se te abandonar algum amigo,
sabendo que todos, finalmente, nos havemos de separar uns dos
outros.
3.
Só com renhido e longo combate interior aprende o homem a
dominar-se plenamente e pôr em Deus todo o seu afeto. Quando o

homem confia em si, facilmente desliza nas consolações humanas.
Mas o verdadeiro amigo de Cristo e fervoroso imitador de suas
virtudes não se inclina às consolações nem busca tais doçuras
sensíveis; antes, procura exercícios austeros e sofre por Cristo
trabalhos penosos.
4.
Quando, pois, Deus te mandar consolação espiritual, recebe-a com
ações de graças, mas lembra-te sempre que é mercê de Deus, e
não merecimento teu. Com isto, porém, não te desvaneças, nem te
entregues a excessiva alegria ou a vã presunção; sê antes mais
humilde pelo dom recebido, mais prudente e timorato em tuas
ações, pois passará aquela hora e voltará a tentação. Quando te
for tirada a consolação, não desesperes logo, aguarda, pelo
contrário, com humildade e paciência, a visita celestial; pois Deus é
bastante poderoso para restituir-te maior graça e consolação. Isto
não é novo nem estranho aos que são experientes nos caminhos
de Deus; porque nos grandes santos e antigos profetas houve
muitas vezes esta mudança.
5.
Por isso um deles, sentindo a presença da graça, exclamava: Eu
disse em minha abundância: não serei abalado jamais (Sl 29,7).
Sentindo, porém, retirar-se a graça, acrescenta: Desviastes de
mim, Senhor, o vosso rosto, e fiquei perturbado (v.8). Entretanto
não desespera, mas com mais instância roga ao Senhor, e diz: A
vós, Senhor, clamarei, e ao meu Deus rogarei (v.9). Alcança, afinal,
o fruto de sua oração e atesta ter sido atendido, dizendo: Ouviu-me
o Senhor, e compadeceu-se de mim, o Senhor se fez meu protetor
(v.11). Mas em quê? Convertestes, diz ele, meu pranto em gozo, e
me cercastes de alegria (v.12). Se isto sucedeu aos grandes
santos, não devemos desesperar nós outros, fracos e pobres, por
nos sentirmos umas vezes com fervor, outras vezes com frieza
porque vai e vem o espírito de Deus, segundo lhe apraz. Por isso
diz o santo Jó: Senhor, visitais o homem na madrugada, e logo o
provais (7,18).
6.
Em que posso, pois, esperar ou em que devo confiar, senão na
grande misericórdia de Deus e na esperança da graça celestial?
Porque, ou me assistem homens justos, irmãos devotos e amigos
fiéis, ou livros santos e formosos tratados, ou cânticos e hinos
suaves, tudo isso de pouco me serve e pouco me agrada, quando
estou desamparado da graça e entregue à minha própria pobreza.
Não há então melhor remédio que Deus.
7.
Nunca encontrei homem tão religioso e devoto, que não sofresse,
às vezes, a subtração da graça e sentisse o arrefecimento do

fervor. Nenhum santo foi tão altamente arrebatado e esclarecido
que, antes ou depois, não fosse tentado. Porque não é digno da
alta contemplação de Deus quem por Deus não sofreu alguma
tribulação. Costuma vir primeiro a tentação, como sinal precursor
da próxima consolação; porque aos provados pela tentação é
prometido o celeste consolo. A quem tiver vencido, diz o Senhor,
darei a comer o fruto da árvore da vida (Apc 2,7).
8.
Dá Deus a consolação, para fortalecer o homem contra as
adversidades. Segue-se então a tentação, para que não se
desvaneça a felicidade. O demônio não dorme, nem a carne já está
morta; por isso, não cesses nunca de aparelhar-te para a peleja,
porque à direita e à esquerda estão teus inimigos que nunca
descansam.

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