terça-feira, 13 de janeiro de 2009

Bichinhos

Declara-se você esgotado pelos conflitos internos da instituição espírita de que se fez devotado servidor, e revela-se faminto de uma solução para os problemas que lhe atormentam a antiga casa de fé.

Lutas entre companheiros e hostilidades constantes minaram o altar do templo, onde, muitas vezes, você observou a manifestação da Providência Divina, através de abnegados mensageiros da luz, e hoje, ao invés da fraternidade e da confiança, do entusiasmo e da alegria, imperam no santuário a discórdia e a dúvida, o desânimo e a tristeza.

Pede-nos você um esclarecimento, entretanto, a propósito do assunto, lembro-me de velha e valorosa árvore que conheci em minha primeira infância. Verde e forte, assemelhava-se a uma catedral na obra prodigiosa da Natureza. Cheia de ninhos, era o palácio predileto das aves canoras que, em suas frondes, trinavam felizes.

Tropeiros exaustos encontravam à sua sombra, que protegia cristalina fonte, o reconforto e a paz, o repouso e o abrigo. Lenhadores, de quando em quando, furtavam-lhe pedaços vivos e peregrinos ingratos roubavam-lhe ramos preciosos para utilidades diversas. Tempestades terríveis caíam sobre ela, anualmente, oprimindo-a e dilacerando-a, mas parecia refazer-se, sempre mais bela.

Coriscos alcançaram-na em muitas ocasiões, mas a árvore robusta ressurgia. Sublime. Ventanias furiosas, periodicamente, inclinavam-lhe a copa, decepando-lhe galhos vigorosos; a canícula demorada impunha-lhe pavorosa sede e a enxurrada costumava rodeá-la de pesados detritos...

O tronco, porém, sempre adornado de milhares e milhares de folhas seivosas, parecia inabalável e invencível.

Um dia, contudo, alguns bichinhos começaram a penetra-la de modo imperceptível.

Ninguém lhes conferiria qualquer significação.

Microscópios, incolores, quase intangíveis que mal poderiam trazer ao gigante solo?

Viajores e servos do campo não lhes identificaram a presença. Mas os bichinhos multiplicaram-se, indefinidamente, invadiram as raízes e ganharam o coração da árvore vigorosa, devorando-o, pouco a pouco...

E o vegetal que superara as ameaças do céu e as tentações da Terra, em reduzido tempo, triste e emurchecido, transformava-se em lenho seco, destinado ao fogo.

Assim também, meu caro, são muitas das associações respeitáveis, quando não se acautelam contra os perigos, aparentemente sem importância. São admiráveis na caridade e na resistência aos golpes do exterior. Suportam, com heroísmo e serenidade, estranhas provocações e contundentes pedradas. Afrontam a calúnia e a maldade, a perseguição e o menosprezo público, dentro de inalterável paciência e indefinível força moral...

Visitadas, entretanto, pelos vermes invisíveis da inveja ou do ciúme, da incompreensão ou da suspeita, depressa as perturbam e se desmantelam, incapazes de reconhecer que os melindres pessoais são parasitas destruidores das melhores organizações do espírito.

Quando o “disse-me-disse” invade uma instituição, o demônio da intriga se incumbe de toldar a água viva de entendimento e da harmonia, aniquilando todas as sementes divinas do trabalho digno e do aperfeiçoamento espiritual.

Que fazer? Pergunta você, assombrado.

Dentro de minha nova condição, apenas conheço um remédio: nossa adaptação individual e coletiva à prática real do Evangelho do Cristo.

Contra os corrosivos bichinhos do egoísmo degradante, usemos os antissépticos da Boa Nova.

-“Se alguém quiser alcançar comigo a luz divina da ressurreição, disse o Senhor, negue a si mesmo, tome a cruz dos próprios deveres, cada dia, e siga os meus passos.”

Quando pudermos realizar essa caminhada, com esquecimento de nossas carunchosas suscetibilidades, estaremos fora do alcance dos sinistros micróbios da treva, imunizados e tranqüilos em nosso próprio coração.

De: Irmão X
Por: Francisco Cândido Xavier
Do livro: Cartas e crônicas

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