segunda-feira, 3 de dezembro de 2007

A IMITAÇÃO DE CRISTO - Tomás de Kempis

CAPÍTULO 4

Que devemos andar perante Deus em verdade e humildade

1. Jesus: Filho, anda diante de mim em verdade e procura-me sempre com simplicidade de coração. Quem anda diante de mim na verdade será defendido dos ataques inimigos, e a verdade o livrará dos enganos e das murmurações dos maus. Se te libertar a verdade, serás verdadeiramente livre e não farás caso das vãs palavras dos homens.
2. A alma: Verdade é, Senhor, o que dizeis; peço-vos que assim se faça comigo. A vossa verdade me ensine, me defenda e me conserve até meu fim salutar. Ela me livre de toda má afeição e amor desregrado e assim poderei andar convosco, com grande liberdade de coração.
3. Jesus: Eu te ensinarei, diz a Verdade, o que é justo e agradável a meus olhos. Relembra teus pecados com grande dor e pesar e jamais te desvaneças por tuas boas obras. Com efeito, és pecador, sujeito a muitas paixões e preso em seus laços. De ti pendes sempre para o nada; depressa cais, logo és vencido, logo perturbado, logo desanimado. Nada tens de que possas gloriar-te; muito, porém, para te humilhar; pois és muito mais fraco do que podes imaginar.
4. Nada, pois, do que fazes te pareça grande, nada precioso e admirável, nada digno de apreço, nada nobre, nada verdadeiramente louvável e desejável, senão o que é eterno. Acima de tudo te agrade a eterna verdade, e te desagrade a tua extrema vileza. Nada temas, nada vituperes e fujas tanto como os teus vícios de pecados, que te devem entristecer mais do que quaisquer prejuízos materiais. Alguns não andam diante de mim com simplicidade, mas, curiosos e arrogantes, pretendem saber meus segredos e compreender os sublimes mistérios de Deus, descurando-se de si próprios e de sua salvação. Estes, por sua soberba e curiosidade, não raro caem em grandes tentações e pecados, porque me afasto deles.
5. Teme os juízos de Deus, treme da ira do Onipotente. Não queiras discutir as obras do Altíssimo; examina antes as tuas iniqüidades, quanto mal cometestes e quanto bem deixastes de fazer por negligência. Alguns põem toda a sua devoção nos livros, outros nas imagens, outros em sinais e exercícios exteriores. Alguns me trazem na boca, mas mui pouco no coração. Outros há, porém, que, alumiados no entendimento e purificados no afeto, sempre suspiram pelos bens eternos; não gostam de ouvir das coisas da terra e com repugnância satisfazem as exigências da natureza; estes percebem o que lhe diz o Espírito da Verdade. Pois lhes ensina a desprezar as coisas terrenas e amar as celestiais, a esquecer o mundo e almejar o céu dia e noite.

CAPÍTULO 5

Dos admiráveis efeitos do amor divino

1. A alma: Bendigo-vos, Pai celestial, Pai de meu Senhor Jesus Cristo, por vos terdes dignado lembrar-vos de mim, pobre criatura. Ó Pai de misericórdia e Deus de toda consolação! (2Cor 1,3), graças vos dou porque, apesar de minha indignidade, me recreais às vezes com vossa consolação. Sede para sempre bendito e glorificado, com vosso Filho unigênito e o Espírito Santo consolador, por todos os séculos. Ah! Senhor Deus, santo amigo de minha alma, tanto que entrais em meu coração, exulta de alegria o meu interior. Vós sois a minha glória e o júbilo de meu coração; vós sois a minha esperança e meu refúgio no dia da tribulação.
2. Mas, como ainda sou fraco no amor e imperfeito na virtude, necessito ser consolado e confortado por vós; por isso visitai-me mais vezes e instruí-me com santas doutrinas. Livrai-me das más paixões e curai meu coração de todos os afetos desordenados, para que eu, sanado e purificado interiormente, seja apto para amar, forte para sofrer e constante para perseverar.
3. Jesus: Grande coisa é o amor! E um bem verdadeiramente inestimável que por si só torna suave o que é difícil e suporta sereno toda a adversidade. Porque leva a carga sem lhe sentir o peso e torna o amargo doce e saboroso. O amor de Jesus é generoso, inspira grandes ações e nos excita sempre à mais alta perfeição. O amor tende sempre para as alturas e não se deixa prender pelas coisas inferiores. O amor deseja ser livre e isento de todo apego mundano, para não ser impedido no seu afeto íntimo nem se embaraçar com algum incômodo. Nada mais doce do que o amor, nada mais forte, nada mais delicioso, nada mais perfeito ou melhor no céu e na terra; porque o amor procede de Deus, e em Deus só pode descansar, acima de todas as criaturas.
4. Quem ama, voa, corre, vive alegre, é livre e sem embaraço. Dá tudo por tudo e possui tudo em todas as coisas, porque sobre todas as coisas descansa no Sumo Bem, do qual dimanam e procedem todos os bens. Não olha para as dádivas, mas eleva-se acima de todos os bens até Àquele que os concede. O amor muitas vezes não conhece limites, mas seu ardor excede a toda medida. O amor não sente peso, não faz caso das fadigas e quer empreender mais do que pode; não se escusa com a impossibilidade, pois tudo lhe parece lícito e possível. Por isso de tudo é capaz e realiza obras, enquanto o que não ama desfalece e cai.
5. O amor vigia sempre, e até no sono não dorme. Nenhuma fadiga o cansam nenhuma angústia o aflige, nenhum temor

o assusta, mas qual viva chama a ardente labareda irrompe para o alto e passa avante. Só quem ama compreende o que é amar. Bem alto soa aos ouvidos de Deus o afeto da alma que diz: Meu Deus, meu amor! Vós sois todo meu, e eu todo vosso!

1. A alma: Dilatai-me o amor, para que possa, no âmago do coração, saborear quão doce é amar, no amor desmancharme e nadar. Prenda-me o amor, e eleve-me acima de mim, num transporte de fervor excessivo. Cante eu o cântico do amor, siga-vos ao alto, ó meu Amado, desfaleça minha alma no nosso louvor, no júbilo do amor. Amar-vos quero mais que a mim, e a mim só por amor de vós, e em vós a todos que deveras vos amam, conforme ordena a lei do amor que de vós dimana.
2. O amor é pronto, sincero, piedoso, alegre e amável; forte, sofredor, fiel, prudente, longânime, viril e nunca busca a si mesmo. Pois, logo que alguém procura a si mesmo, perde o amor. O amor é circunspecto, humilde e reto; não é frouxo, não é leviano, nem cuida de coisas vãs; é sóbrio, casto, constante, quieto, recatado em todos os seus sentidos. O amor é submisso e obediente aos superiores, mas aos próprios olhos é vil e desprezível; devoto e agradecido para com Deus, confia e espera sempre nele, ainda quando está desconsolado, porque no amor não se vive sem dor.
3. Quem não está disposto a sofrer tudo e fazer a vontade do Amado não é digno de ser chamado amante. Àquele que ama cumpre abraçar por seu Amado, de boa vontade, tudo o que for duro e amargo e dele não se apartar por nenhuma contrariedade.

CAPÍTULO 6

Da prova do verdadeiro amor

1. Jesus: Filho, não és ainda forte nem prudente no amor. - A alma: Por que, Senhor? - Jesus: Porque por qualquer contrariedade deixas o começado e com ânsia excessiva procuras a consolação. O homem forte no amor permanece firme nas tentações e não dá crédito às astuciosas sugestões do inimigo. Assim como lhe agrado na prosperidade, não lhe desagrado nas tribulações.
1. Quem ama discretamente não considera tanto a dádiva de quem ama, como o amor de quem dá. Atende mais à
2. intenção que ao valor do dom, e a todas as dádivas estima menos que o Amado. Quem ama nobremente não repousa no dom, mas em mim acima de todos os dons. Nem tudo está perdido, se sentires, às vezes, menos devoção, a mim ou meus santos, do que desejaras. Aquele sentimento terno e doce que experimentas, às vezes, é efeito da graça presente, um como que antegosto da pátria celestial; nele não te deves firmar muito, porquanto vai e vem. Mas pelejar contra os maus movimentos do coração e desprezar as sugestões do demônio é sinal de virtude e grande merecimento.
2. Não te perturbem, pois, estranhas imaginações, oriundas de matéria qualquer. Guarda firme teu propósito, e tua reta intenção fixa em Deus. Não é ilusão o seres, alguma vez, subitamente arrebatado em êxtase, e logo depois caíres de novo nos costumados desvarios do coração. Porque mais os padeces contra a vontade do que és causa deles, e enquanto te desagradarem e os repelires, serão para ti ocasião de merecimento e não de perdição.
3. Fica sabendo que o antigo inimigo de todos os modos se esforça por impedir-te os bons desejos e apartar-te de todos os exercícios devotos, nomeadamente da veneração dos santos, da devota memória de minha paixão, da salutar lembrança dos pecados, da vigilância sobre o próprio coração e do firme propósito de aproveitar na virtude. Sugere-te muitos maus pensamentos para te causar tédio e horror e arredar-te da oração e leitura espiritual. Desagrada-lhe muito a confissão humilde e, se pudesse, far-te-ia abandonar a comunhão. Não lhes dês crédito, nem faças caso dele, posto que muitas vezes de arme laços e enganos. Leva à sua conta os pensamentos maus e desonestos que te sugere. Dize-lhe: Retira-te, espírito imundo, desgraçado, sem-vergonha; muito perverso deves ser para me insinuares tais coisas! Vai-te daqui, malvado sedutor, não terás em mim parte alguma, que Jesus estará comigo, qual guerreiro invencível, e tu ficarás confundido. Antes quero morrer e sofrer todos os tormentos, que te fazer a vontade; cala-te e emudece; não te escutarei, por mais que me molestes. O Senhor é minha luz e minha salvação, a quem temerei. Levante-se embora contra mim um exército, não temerá meu coração. O Senhor é meu socorro e meu Salvador (Sl 26, 1.6; 18,17).
4. Peleja como bom soldado e, se alguma vez caíres por fraqueza, torna a cobrar maiores forças que as anteriores, tendo certeza que receberás mais copiosa graça; acautela-te, porém, muito contra a vã complacência e a soberba. Por falta desta vigilância andam muitos enganados e caem, às vezes, em cegueira incurável. A ruína destes soberbos, que loucamente presumem de si próprios, sirva-te de cautela e te conserve na virtude da humildade.

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