sábado, 22 de setembro de 2007

ESMOLA E CARIDADE

pintura mediúnica




Escusam-se muitos de não poderem ser caridosos, alegando
precariedade de bens, como se a caridade se reduzisse a dar de comer aos
famintos, dar de beber aos sedentos, vestir os nus e proporcionar um teto
aos desabrigados.
Além dessa caridade, de ordem material, outra existe - a moral,
que não implica o gasto de um centavo sequer e, não obstante, é a mais
difícil de ser praticada. Exemplos? Eis alguns:
Seríamos caridosos se, fazendo bom uso de nossas forças mentais,
vibrássemos ou orássemos diariamente em favor de quantos saibamos acharem-se
enfermos, tristes ou oprimidos, sem excluir aqueles que porventura se
considerem nossos inimigos.
Seríamos caridosos se, em determinadas situações, nos fizéssemos
intencionalmente cegos para não vermos o sorriso desdenhoso ou o gesto
desprezivo de quem se julgue superior a nós.
Seríamos caridosos se, com sacrifício de nosso valioso tempo,
fôssemos capazes de ouvir, sem enfado, o infeliz que nos deseja confiar seus
problemas íntimos, embora sabendo de antemão nada podermos fazer por ele,
senão dirigir-lhe algumas palavras de carinho e solidariedade.
Seríamos caridosos se, ao revés, soubéssemos fazer-nos
momentaneamente surdos quando alguém, habituado a escarnecer de tudo e de
todos, nos atingisse com expressões irônicas ou zombeteiras.
Seríamos caridosos se, disciplinando nossa língua, só nos
referíssemos ao que existe de bom nos seres e nas coisas, jamais passando
adiante notícias que, mesmo sendo verdadeiras, só sirvam para conspurcar a
honra ou abalar a reputação alheia.
Seríamos caridosos se, embora as circunstâncias a tal nos
induzissem, não suspeitássemos mal de nossos semelhantes, abstendo-nos de
expender qualquer juízo apressado e temerário contra eles, mesmo entre os
familiares.
Seríamos caridosos se, percebendo em nosso irmão um intento
maligno, o aconselhássemos a tempo, mostrando-lhe o erro e despersuadindo-o
de o levar a efeito.
Seríamos caridosos se, privando-nos, de vez em quando, do prazer
de um programa radiofônico ou de T.V. de nosso agrado, visitássemos
pessoalmente aqueles que, em leitos hospitalares ou de sua residência,
curtem prolongada doença e anseiam por um pouco de atenção e afeto.
Seríamos caridosos se, embora essa atitude pudesse prejudicar
nosso interesse pessoal, tomássemos, sempre, a defesa do fraco e do pobre,
contra a prepotência do forte e a usura do rico.
Seríamos caridosos se, mantendo permanentemente uma norma de
proceder sereno e otimista, procurássemos criar em torno de nós uma
atmosfera de paz, tranqüilidade e bom humor.
Seríamos caridosos se, vez por outra, endereçássemos uma palavra
de aplauso e de estimulo às boas causas e não procurássemos, ao contrário,
matar a fé e o entusiasmo daqueles que nelas se acham empenhados.
Seríamos caridosos se deixássemos de postular qualquer benefício
ou vantagem, desde que verificássemos haver outros direitos mais legítimos a
serem atendidos em primeiro lugar.
Seríamos caridosos se, vendo triunfar aqueles cujos méritos
sejam inferiores aos nossos, não os invejássemos e nem lhes desejássemos
mal.
Seríamos caridosos se não desdenhássemos nem evitássemos os de
má vida, se não temêssemos os salpicos de lama que os cobrem e lhes
estendêssemos a nossa mão amiga, ajudando-os a levantar-se e limpar-se.
Seríamos caridosos se, possuindo alguma parcela de poder, não
nos deixássemos tomar pela soberba, tratando, os pequeninos de condição,
sempre com doçura e urbanidade, ou, em situação inversa, soubéssemos
tolerar, sem ódio, as impertinências daqueles que ocupam melhores postos na
paisagem social.
Seríamos caridosos se, por sermos mais inteligentes, não nos
irritássemos com a inépcia daqueles que nos cercam ou nos servem.
Seríamos caridosos se não guardássemos ressentimento daqueles
que nos ofenderam ou prejudicaram, que feriram o nosso orgulho ou roubaram a
nossa felicidade, perdoando-lhes de coração.
Seríamos caridosos se reservássemos nosso rigor apenas para nós
mesmos, sendo pacientes e tolerantes com as fraquezas e imperfeições
daqueles com os quais convivemos, no lar, na oficina de trabalho ou na
sociedade.
E assim, dezenas ou centenas de outras circunstâncias poderiam
ainda ser lembradas, em que, uma amizade sincera, um gesto fraterno ou uma
simples demonstração de simpatia, seriam expressões inequívocas da maior de
todas as virtudes.
Nós, porém, quase não nos apercebemos dessas oportunidades que
se nos apresentam, a todo instante, para fazermos a caridade.
Porquê? É porque esse tipo de caridade não transpõe as
fronteiras de nosso mundo interior, não transparece, não chama a atenção,
nem provoca glorificações.
Nós traímos, empregamos a violência, tratamos ou outros com
leviandade, desconfiamos, fazemos comentários de má fé, compartilhamos do
erro e da fraude, mostramo-nos intolerantes, alimentamos ódios, praticamos
vinganças, fomentamos intrigas, espalhamos inquietações, desencorajamos
iniciativas nobres, regozijamo-nos com a impostura, prejudicamos interesses
alheios, exploramos os nossos semelhantes, tiranizamos subalternos e
familiares, desperdiçamos fortunas no vício e no luxo, transgredimos, enfim,
todos os preceitos da Caridade, e, quando cedemos algumas migalhas do que
nos sobra ou prestamos algum serviço, raras vezes agimos sob a inspiração do
amor ao próximo, via de regra fazemo-lo por mera ostentação, ou por amor a
nós mesmos, isto é, tendo em mira o recebimento de recompensas celestiais.
Quão longe estamos de possuir a verdadeira caridade!
Somos, ainda, demasiadamente egoístas e miseravelmente
desprovidas de espírito de renúncia para praticá-la.
Mister se faz, porém, que a exercitemos, que aprendamos a dar ou
sacrificar algo de nós mesmos em benefício de nossos semelhantes, porque "a
caridade é o cumprimento da Lei."

(De "As leis morais", de Rodolfo Calligaris)

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BARREIRA

Quero avançar mas não consigo. Desejo elevar-me em direção ao alto,
mas sinto que uma força descomunal prende-me ao chão; uma nuvem escura
impede-me a visão das coisas; meus ouvidos estão lacrados e meu coração está
gelado no peito.
- Que barreira será esta, Senhor?
E do recôndito de mim mesmo uma voz respondeu-me:
- Essa barreira, filho meu, é o monstro do egoísmo que te envolve
com sustentáculos terríveis. O egoísta é um morto na carne, um ser inútil
que deambula pelo mundo, pois, em verdade, toda criatura que só pensa em si,
exclusivamente em si, sem coragem para ajudar ninguém, é um morto, embora
respire, e essa barreira só será quebrada com a dinamite da dor.
Calou-se a voz e, de olhos molhados, entreguei-me à oração.

(De "Escalada de Luz", de Jerônimo Mendonça)

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