Bispo Kallistos Ware
Trad.: Pe. Pedro Oliveira
Parte I: História
1. Introdução
A Ortodoxia não é um tipo de
Catolicismo Romano sem o Papa, mas sim alguma coisa muito diferente de
qualquer outro sistema religioso do ocidente. No entanto, aqueles que
olharem mais de perto esse "mundo desconhecido”, nele descobrirão muita
coisa que, mesmo diferente, é, ao mesmo tempo, curiosamente familiar,
"mas isto é aquilo no qual sempre acreditei!." Esta tem sido a reação de
muitos ao aprender, mais profundamente, sobre a Igreja Ortodoxa e sobre
o que ela ensina; e eles estão parcialmente certos. Por mais de
novecentos anos, o Oriente Grego e o Ocidente Latino têm se desenvolvido
firmemente separados cada um seguindo seu próprio caminho, tendo tido,
no entanto, solo comum nos primeiros séculos da Cristandade. Atanásio e
Basílio viveram, no oriente, mas eles pertencem, também, ao ocidente; e
Ortodoxos que viveram na França, Bretanha ou Irlanda podem, por sua vez,
olhar para os santos nacionais dessas terras — Albano e Patrick,
Cuthbert e Bede, Geneviéve de Paris e Augustine de Canterbury — não como
estranhos, mas como membros de sua própria Igreja. Toda a Europa foi um
dia tão parte da Ortodoxia como a Grécia e a Rússia são hoje em dia.
Robert Curzon, viajando pelo Levante nos anos
de 1830 à procura de manuscritos, que pudesse comprar por preço de
barganha, ficou desconcertado ao descobrir que o Patriarca de
Constantinopla nunca tinha ouvido falar do Arcebispo de Canterbury. As
questões que se põe, certamente, mudaram, desde então. As viagens
tornaram-se, incomparavelmente, mais fáceis; as barreiras físicas foram
derrubadas. As viagens não são sequer necessárias atualmente: um cidadão
na Europa Ocidental ou da América não precisa mais deixar seu país para
observar a Igreja Ortodoxa em primeira mão. Gregos viajando para o
leste por escolha ou necessidade econômica, e Eslavos que tomaram a
direção do leste fugindo às perseguições, trouxeram sua igreja consigo,
estabelecendo, por toda a Europa e América, uma malha de dioceses,
paróquias, colégios teológicos e mosteiros. Mais importante de tudo, em
muitas comunidades diferentes, no século presente houve um crescimento
de um desejo sem precedente e compelidor pela unidade visível de todos
os Cristãos; e isso deu origem a um novo interesse pela Igreja Ortodoxa.
A diáspora Grego-Russa espalhou-se pelo mundo ao mesmo tempo em que
cristãos ocidentais, em sua preocupação pela unidade, tomavam
consciência da relevância da Ortodoxia, e ansiavam por conhecer mais
sobre ela. No diálogo ecumênico, a contribuição da Igreja Ortodoxa tem
se mostrado surpreendemente iluminadora, precisamente porque os
ortodoxos têm uma história diferente da história dos ocidentais, tendo
sido capazes de abrir novas linhas de pensamento e sugerir soluções de
há muito esquecidas para antigas dificuldades.
Nunca faltaram ao Ocidente homens cuja
concepção de cristandade não era restrita a Canterbury, Genebra e Roma;
porém, no passado, tais homens eram vozes que clamavam no deserto. Agora
não é mais assim. Os efeitos de uma alienação que durou mais do que
nove séculos, não podem ser superados em curto prazo, mas ao menos se
deu início.
O que se entende por "Igreja Ortodoxa?” As
divisões que resultaram na fragmentação presente da cristandade
ocorreram em três estágios, a intervalos de aproximadamente quinhentos
anos. O primeiro estágio da separação ocorreu no quinto e sexto séculos,
quando as Igrejas Orientais "Menores" ou "Separadas" tornaram-se
divididas do corpo principal dos cristãos. Essas Igrejas formaram dois
grupos: a Igreja nestoriana da Pérsia e as cinco Igrejas monofisitas da
Armênia, da Síria (denominada Igreja "Jacobita"), no Egito (a Igreja
Copta da Etiópia e da Índia). Os nestorianos e monofisitas estiveram
fora da consciência ocidental ainda mais completamente, do que vieram a
estar fora da consciência da Igreja Ortodoxa mais tarde. Quando Rabban
Sauma, um monge nestoriano de Pequim, visitou em 1288 (ele viajou até
Bordeaux, onde deu comunhão para o Rei Eduardo I da Inglaterra), ele
discutiu teologia com o Papa e com Cardeais em Roma, e parece que esses
não se deram conta que de seu ponto de vista era o de um herético. Como
resultado da primeira divisão, a Ortodoxia tornou-se restrita, em seu
lado oriental, principalmente ao mundo de língua Grega. Ocorreu então a
segunda separação, convencionalmente datada em 1054. O corpo principal
dos cristãos torna-se então dividido em duas comunhões: na Europa
ocidental a Igreja Católica Romana, sob o Papa de Roma; no Império
Bizantino, a Igreja Ortodoxa do Oriente. A Ortodoxia estava agora
limitada no seu lado Ocidental também. A terceira separação, entre Roma e
os Reformadores no século XVI não vai nos ocupar diretamente aqui.
É interessante notar como coincidem as
divisões culturais e eclesiásticas. O Cristianismo enquanto universal em
sua missão tendeu, na prática, a estar associado com três culturas: a
Semítica, a Grega e a Latina. Como resultado da primeira separação, os
semíticos da Síria, com sua florescente escola de teólogos e escritores,
foram afastados do resto da cristandade. Seguiu-se a segunda separação,
que abriu uma fenda separando as tradições grega e latina no
cristianismo. No entanto, não se deve concluir apressadamente que a
Igreja Ortodoxa é exclusivamente grega e nada mais, tendo em vista que
padres siríacos e latinos também têm lugar na tradição ortodoxa
completa.
Enquanto a Igreja Ortodoxa tornava-se
limitada, geograficamente, primeiro no Oriente e a seguir no Ocidente,
ela expandia-se para o Norte. Em 863, São Cirilo e São Metódio, os
Apóstolos dos Eslavos, viajaram para o Norte para realizar trabalhos
missionários além das fronteiras do Império Bizantino, e seus esforços
contribuíram para a conversão da Bulgária, Sérvia e Rússia. Enquanto o
Império Bizantino encolhia, essas novas Igrejas cresciam em importância
e, quando Constantinopla foi tomada pelos Turcos em 1453, o principado
de Moscou estava pronto para assumir o lugar de Bizâncio como protetor
do mundo Ortodoxo. Durante os últimos 150 anos houve uma reversão
parcial dessa situação. Apesar de Constantinopla ainda permanecer em
mãos Turcas, uma pálida sombra de sua glória anterior, a Igreja da
Grécia está novamente livre; mas a Rússia e outros povos Eslavônicos
passaram, por sua vez, a viver sob as regras de um governo não-cristão.
Estes são os principais estágios que
determinaram o desenvolvimento externo da Igreja Ortodoxa.
Geograficamente, sua atuação se deu, nos primórdios, na Europa Oriental,
na Rússia e ao longo da costa oriental do Mediterrâneo. Ela é composta,
atualmente, pelas seguintes Igrejas Auto-governadas ou autocéfalas:
Os quatro antigos Patriarcados:
Apesar de muito reduzidos em tamanho, essas
quatro Igrejas, por razões históricas, ocupam posição especial na
Ortodoxia, tendo primazia em honra. Os chefes dessas quatro Igrejas usam
o título de Patriarca.
Outras dez Igrejas Autocéfalas:
Todas, exceto três dessas Igrejas -
Tchecoslováquia, Polônia e Albânia - estão em países onde a população é
inteiramente constituída de não-gregos; cinco das outras - Rússia,
Sérvia, Bulgária, Tchecoslováquia, Polônia - são Eslavônicas. Os chefes
das Igrejas Russa, Romena, Sérvia e Bulgária são conhecidos pelo título
de Patriarcas. O chefe da Igreja da Geórgia é chamado Patriarca
Católico; os das outras Igrejas são chamados de Arcebispos ou
Metropolitas.
Existem ainda várias outras Igrejas que,
apesar de autogovernadas, não atingiram total independência. Elas são
denominadas autônomas, não autocéfalas. São elas: Finlândia, Japão e
China.
Existem províncias eclesiásticas na Europa
Ocidental, nas Américas do Norte e do Sul e na Austrália que dependem de
diferentes Patriarcados e de Igrejas Autocéfalas. Em algumas áreas,
essa "diáspora" ortodoxa está lentamente adquirindo auto-governo. Em
particular, passos têm sido dados para formar uma Igreja Ortodoxa
Autocéfala na América, mas isso ainda não foi oficialmente aceito pela
maioria das outras Igrejas Ortodoxas.
A Igreja Ortodoxa é assim uma família de
Igrejas autogovernadas. Estão agrupadas não por uma organização
centralizada, não por um único Prelado exercendo poder absoluto sobre
todo o corpo da Igreja, mas pela dupla ligação: unidade da fé e comunhão
nos sacramentos. Cada Igreja, ainda que independente, está em completa
concordância com as outras quanto à doutrina, e entre elas existe uma
completa comunhão sacramental. (Entre os russos ortodoxos existe certa
divisão mas, nesse caso, a situação é totalmente excepcional e,
espera-se, de caráter temporário). Não existe, na Ortodoxia, ninguém com
uma posição equivalente a do Papa na Igreja Católica Romana. O
Patriarca de Constantinopla é conhecido como Patriarca "Ecumênico" (ou
universal) e, desde o cisma entre Oriente e Ocidente desfruta de uma
posição de honra entre todas as comunidades ortodoxas; Ele não pode, no
entanto, interferir nos assuntos internos de outras Igrejas. Seu lugar
assemelha-se ao do Arcebispo de Canterbury, na comunidade Anglicana.
Esse sistema descentralizado de Igrejas
locais independentes tem vantagens por ser altamente flexível e
facilmente adaptado a condições mutáveis. Igrejas locais podem ser
criadas, suprimidas e restauradas de novo, com muito pouca perturbação
para a vida da Igreja como um todo. Muitas dessas Igrejas locais são
também Igrejas nacionais, pois, durante o passado, em países Ortodoxos,
Igreja e Estado estavam unidos. Mas, enquanto um Estado independente
freqüentemente possui sua própria Igreja Autocéfala, as divisões
eclesiásticas, não necessariamente, coincidem com os limites geográficos
dos Estados. A Geórgia, por exemplo, fica dentro da antiga União
Soviética, mas não é parte da Igreja Russa, enquanto que os territórios
dos quatro antigos Patriarcados estão, praticamente, em vários países
diferentes. A Igreja Ortodoxa é uma Federação de Igrejas locais, que nem
sempre são Igrejas nacionais. Ela não tem como sua base o princípio
político da Igreja de Estado.
Entre as várias Igrejas existem, como pode
ser visto, uma enorme variação em tamanho, com a Rússia em um extremo e
Sinai no outro. As diferentes Igrejas também variam em idade, algumas
datando desde os tempos Apostólicos, enquanto outros são mais novas que
uma geração. A Igreja da Tchecoslováquia, por exemplo, só obteve sua
autocefalia em 1951.
Essas são as Igrejas que fazem a comunhão
Ortodoxa como ela é hoje. Elas são conhecidas, coletivamente, por vários
títulos. Algumas vezes são chamadas de Gregas ou Greco-Russa; mas isso
não é correto, pois existem milhares de Ortodoxos que não são nem
Gregos, nem Russos. Os Ortodoxos, freqüentemente, chamam suas Igrejas de
Igreja Ortodoxa Oriental, Igreja Católica Ortodoxa ou Igreja Católica
Ortodoxa do Oriente, ou algo parecido.
Esses títulos não devem ser mal entendidos,
pois enquanto a Ortodoxia considera-se a verdadeira Igreja Católica, ela
não é, no entanto, parte da Igreja Católica Romana; e apesar da
Ortodoxia chamar-se de Oriental, não é algo limitado ao povo oriental.
Outro nome muito empregado é Santa Igreja Ortodoxa. Talvez seja menos
confuso e mais conveniente, usar-se o título mais curto: Igreja
Ortodoxa.
A Ortodoxia clama ser universal - não alguma
coisa exótica e oriental, mas simplesmente Cristianismo. Por conta das
falhas humanas e dos acidentes da história, a Igreja Ortodoxa esteve no
passado muito restrita a certas áreas geográficas. Ainda assim, para os
próprios Ortodoxos, sua Igreja é algo mais que um grupo de corpos
locais. A palavra "Ortodoxia" tem duplo significado de "crença correta"
ou "glória correta" (ou "louvação correta"). Os Ortodoxos por isso,
fazem algo que, a primeira vista, pode ser uma afirmação surpreendente:
eles olham sua Igreja como a Igreja que guarda e ensina a verdadeira
doutrina sobre Deus e que O glorifica com a correta louvação, isto é,
nada menos do que a Igreja de Cristo na Terra. Como essa posição é
entendida e o que os Ortodoxos pensam sobre os outros Cristãos que não
pertencem à sua Igreja são questões que fazem parte do objetivo deste
livro e que se buscará esclarecer.
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Olá amigos, sejam bem-vindos !!
Este é um espaço reservado para que possamos refletir um pouco sobre a espiritualidade. Estudem, comentem e estejam à vontade!
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quinta-feira, 12 de julho de 2012
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