Rubens Policastro
Meira
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O ser humano
e a sociedade
Como sabemos o
homem é um ser tríplice, composto de corpo, espírito e perispírito. O
espírito é sua característica principal pois é o artífice de seu próprio
corpo, modelando-o a fim de apropria-lo às suas necessidades e à
manifestação de suas tendências (Revista Espírita
1869 – pág. 63).
Para a Doutrina dos
Espíritos, a compreensão e percepção real do que significa o ser humano,
como pessoa, constitui valioso elemento de análise, indispensável para o
entendimento dialogal com o mundo moderno, com a nascente civilização
pós-industrial, no contexto de um processo de globalização geral, bem como
no sentido de avaliar o processo vivido pela multidão de marginalizados e
empobrecidos que começam a despertar, a se organizarem e a caminharem com
seus próprios pés.
Podemos observar
que a Doutrina dos Espíritos situa insistentemente, a dignidade da pessoa
humana no cerne de seus ensinamentos, preocupação essa que se estende as
questões sócio-político-econômica, defesa da vida humana, do trabalho, do
significado do progresso técnico-científico, enfim, toda vez que se coloca
em jogo a dignidade humana.
Para a perfeita
compreensão do ser humano, como pessoa, é deveras importante apreendermos
que a "pessoa", a personalidade, é o conjunto de atitudes, tendências,
valores e sentimentos, que ao longo dos milênios, o Espírito, como elemento
catalisador, ligando-se à matéria para lhe dar forma e estrutura, foi
incorporando em si, mediante a utilização do livre arbítrio.
Carlos Toledo
Rizzini, in "Psicologia e Espiritismo" nos informa
que "a personalidade é constituída pela síntese de todos os fatos
psicológicos", óbviamente, adquiridos ao longo das
encarnações.
A visão do homem
como pessoa deve ser procurada e entendida no contexto da Doutrina dos
Espíritos, a fim de que possa exercer e colaborar na ação de transformar o
mundo.
Ao entendermos essa
visão veremos que o homem não é um brinquedo nas mãos de um Criador, de uma
força impessoal, ou de uma Causa Primeira, mas que é avisado, advertido,
predestinado e chamado a responder, aceitando o convite da Causa Primeira e
Inteligência Suprema, para dar sua colaboração, para ser interlocutor e
parceiro da Evolução. Como colaborar?
Alguém poderia
perguntar, qual a importância da visão do ser humano como pessoa segundo a
ótica espírita, diante dos graves e urgentes problemas humanos existentes no
mundo?
Ante tanto
sofrimento e tanta injustiça, não deveríamos simplesmente lutar contra a
marginalização, contra as injustiças em todas as suas manifestações e contra
as estruturas que oprimem milhões e milhões de seres humanos, impedidos de
crescerem em humanização e espiritualidade? Em outras palavras: a urgência
da luta contra os poderes que impedem a humanização e espiritualidade do
homem, e consequentemente a ação transformadora do mundo, não relegará os
princípios espíritas sobre o homem ao âmbito das belas definições idealistas
que deixam intocada a realidade da miséria, de dominação, de escravidão e de
abandono em que se encontra a maioria dos povos da terra?
Não temos visto no
movimento espírita senão discursos e definições idealisticas. Nada de
prática, seja por ações, seja por vivência. Nada há de retórica em nossas
palavras. É necessário partir da teoria para a prática, lançar-se à ação no
mundo.
A falta de ação, o
imobilismo, demonstra que parece faltar uma auto-consciência para levarmos
em consideração os questionamentos que brotam do "mundo" dos empobrecidos e
marginalizados. Este "mundo" de empobrecidos e marginalizados supõe a
existência de um outro "mundo" que o empobrece e o marginaliza.
A abertura à
realidade da existência dos oprimidos não pode deixar de lado a realidade da
existência dos opressores, que atualmente se identifica com a forma de
sociedade moderna, em um sistema neo-liberal com a globalização da
econômia.
É necessário que se
visualize o caráter universal dessa sociedade globalizante, sobretudo no
tocante à responsabilidade, que a ela deve ser atribuída, no processo da
dominação, empobrecimento e marginalização de milhões e milhões de seres
humanos.
Para manter a
dominação, a sociedade moderna continua impondo à humanidade, com a
finalidade de domínio, restrição da liberdade de pensamento, conceitos que
vem perdurando há séculos, tais como fatalismo, predestinação, determinismo,
os quais embotam e impedem que a liberdade se expresse de forma racional,
restringindo com tais conceitos que a esperança de uma nova ordem social
mais justa se esmoreça, pois tais conceitos são a negação da
liberdade.
A Doutrina dos
Espíritos, o movimento espírita em geral e o espírita em particular, não
devem se descurar da atitude fundamental que sempre guiou o comportamento de
Jesus de Nazaré.
Seu exemplo,
manifestado em toda sua vida, é o legado que precisamos ter na abertura de
diálogos com o mundo moderno, em uma real abertura ao mundo dos
marginalizados.
Com base em o
"Livro dos Espíritos", obra básica do Espiritismo,
quando visualizamos a sociedade como um todo passamos a entender que tal
sociedade é uma organização insatisfatória, predominando o egoísmo, a
avareza, a violência, a deturpação do poder, a corrupção. Entendemos que a
sociedade deve ser modificada, e que cabe ao homem modificá-la. Cabe ao
homem criar uma sociedade onde a colaboração superando a competição,
entregará a cada um o necessário à sua sobrevivência; proporcionará a cada
um os elementos e condições necessárias à sua educação e à sua saúde. Está a
visão de uma sociedade segundo a ótica de Jesus e da Doutrina dos Espíritos.
Uma sociedade onde a justiça não seja distribuída e aplicada única e
exclusivamente em benefício dos poderosos e de uma elite minoritária que
usurpa o poder, mas que seja distribuída e aplicada indistintamente a todos
os seres humanos. Uma sociedade onde a Justiça deixe de ser CEGA para ser
IMPARCIAL, pois dessa forma reprimirá e suprimirá o crime, de qualquer
natureza, que hoje é engendrado, na maioria das vezes, à sua
sombra.
Para bem
entendermos o ser humano como pessoa, sua visão deve ser procurada em seu
passado. Sem o "retorno" ao passado, o nosso presente acaba se tornando
incompreensível. No entanto é importante interessar-se pelo presente, a fim
de obtermos respostas. Apesar de uma e outra, retorno ao passado e interesse
pelo presente, serem insuficientes, precisamos delas para a auto-compreensão
do contexto do homem na sociedade para que possamos começar a encetar a
caminhada de humanização e espiritualização, com a consequente libertação
dos povos marginalizados e oprimidos.
Os fatos
psicológicos, desempenham uma função essencial no comportamento do ser
humano, pois no caminho da eternidade, passando por vida após vida, irá
incorporando ao Espírito eterno, as qualidades determinantes de sua
individualidade.
Tais fatos se
interelacionam a acontecimentos com pessoas e com nosso meio ambiente, e são
adquiridos por aprendizado de ajustamento, ou seja, hábitos
complexos.
Assim,
desenvolvemos nossa personalidade à medida que lidamos com o meio social, e,
uma vez desenvolvida, ela facilita nosso ajustamento à
sociedade.
Com a visão do
homem como pessoa, segundo a ótica espírita, veremos que o valor, a
dignidade e a importância, da resposta do homem ao chamado na colaboração de
um novo mundo aparece de forma especial no exemplo de Jesus, que colocou sua
vida à serviço do povo sofredor, consubstanciando na moral espírita
prescrita por Allan Kardec.
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